Correio Braziliense, n 20609, 26/10/2019. Política, p. 3

Governo quer fim da estabilidade

Ingrid Soares 


O governo pretende mesmo acabar com a estabilidade para os novos servidores públicos federais, como Correio havia antecipado no início deste mês. Na China, segunda etapa de sua viagem à Ásia e ao Oriente Médio, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a proposta de reforma administrativa, que será encaminhada ao Congresso nos próximos dias, deverá retirar a garantia de estabilidade dos funcionários que ingressarem nos próximos anos. A mudança, porém, não valeria para os atuais quadros.

“A reforma administrativa está bastante avançada. Não haverá quebra de estabilidade para os atuais servidores. Quem entrar a partir da promulgação da PEC (proposta de emenda à Constituição), aí pode não haver estabilidade”, disse o presidente, que ontem se encontrou com o líder chinês, Xi Jinping, a quem presenteou com uma camisa do Flamengo.

Bolsonaro afirmou, ainda, que a intenção é acabar com a indexação dos salários. “As pessoas falam tanto dos militares. Um aspirante começa ganhando em torno de R$ 6.500 brutos e, ao longo da carreira, vai havendo progressão. O que a equipe está estudando é acabar com indexações nessa área”, informou. “Ninguém vai desindexar o salário mínimo. Todo ano ele vai ter, no mínimo, a inflação”, emendou.

Sobre a inclusão de estados e municípios na reforma da Previdência, o chefe do Executivo ressaltou que aguardará os entendimentos políticos. O texto da reforma administrativa, que deve acabar com a estabilidade para novos concursados ainda prevê reformulação dos planos de carreiras de Estado e redução da jornada dos funcionários públicos.

A equipe econômica também pretende reduzir o número do quadro, que ainda é crescente e tem mais de 1 milhão de ativos e inativos, evitando realizar concursos para cobrir vagas dos 127 mil servidores que devem se aposentar nos próximos cinco anos. Essas medidas visam reduzir os gastos com pessoal, que forma o segundo maior grupo de despesa obrigatória da União, após a Previdência.

Ainda nesta semana, ao comemorar a aprovação da reforma previdenciária, Bolsonaro havia ressaltado que o próximo passo do governo seria a reforma administrativa. “Vem a tributária ou administrativa, a que for mais fácil de passar. As duas são importantes. A tributária sempre é complicada, há muito tempo se tenta e não se consegue. Acredito, não depende apenas de mim, que a administrativa seja de tramitação menos difícil”, avaliou.

O presidente interino, Hamilton Mourão defende que as reformas administrativa e a tributária tramitem em conjunto: “Sempre penso no melhor dos mundos. As duas podiam caminhar lado a lado, até porque elas são complementares. Quem tem que ditar a voga é o presidente, dizer o que é prioritário e o Congresso aceitar isso aí, porque pode ter outra visão”, concluiu.

Para o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), há a possibilidade de o país passar por uma reforma administrativa tão grande quanto a da Previdência. “Enfrentamos a Previdência, e vamos enfrentar reforma administrativa a partir da próxima semana. Estou confiante. Acho que há possibilidade de fazer reforma tão grande quanto na Previdência”, avaliou.

A proposta ainda será avaliada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e por Bolsonaro. Ela deverá provocar muita polêmica e, no Congresso, dificilmente deixará de ser modificada pelos deputados e senadores. A influência de representantes do serviço público é muito forte entre os parlamentares, o que pode dificultar ou até inviabilizar parte do projeto do governo.

Economista critica

O economista Roberto Piscitelli vê o fim da estabilidade como um ‘tiro no pé’, ao tirar a garantia mínima do funcionário público de atuar com autonomia, além de facilitar o apadrinhamento político. “A medida torna o funcionário vulnerável e totalmente dependente dos humores da administração e dos partidos,  levando à relação de apadrinhamento.

É incompatível com o grau de autonomia do servidor. Vai tornar as pessoas mais dependentes dessa relação com o poder político, e não tem nada a ver com redução de despesa pública. Vai contribuir para deixar nas mãos dos partidos os preenchimentos dos cargos da administração. É muito ruim em termos de desprofissionalização do servidor público”, analisou.

Frase

"A reforma administrativa está bastante avançada. Não haverá

quebra de estabilidade para os atuais servidores. Quem entrar a

partir da promulgação da PEC, aí pode não haver estabilidade”

Jair Bolsonaro, presidente da República