Correio Braziliense, n 20613, 30/10/2019. Política, p. 3

Bolsonaro pede desculpas ao STF

Renato Souza
Augusto Fernandes 


O presidente Jair Bolsonaro pediu desculpas ao Supremo Tribunal Federal (STF) por um vídeo publicado na conta dele no Twitter. Nas imagens, a Corte é retratada como inimiga do chefe do Executivo. O vídeo ficou no ar por duas horas, na segunda-feira (28), até ser removido. A montagem é integrada por um leão, representando Bolsonaro, e várias hienas ao redor, em alusão aos que seriam inimigos do presidente. Apesar das desculpas por parte dele, um de seus assessores reforçou a polêmica, ao taxar a oposição como “um punhado de hienas”.

Na publicação feita na conta oficial do presidente no Twitter, as hienas são descritas como veículos de imprensa, partidos políticos, como o PCdoB, o PT e o próprio PSL, ao qual Bolsonaro é filiado. Além disso, várias instituições são retratadas entre os animais, como STF, a Organização das Nações Unidas (ONU), e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

De Riad, na Arábia Saudita, onde se encontrou com o príncipe Mohammed bin Salman, Bolsonaro tentou botar panos quentes após a repercussão negativa do caso, e se desculpou especialmente com o Supremo. Depois de fugir de perguntas de jornalistas sobre a publicação, ele respondeu ao jornal O Estado de S. Paulo que “foi uma injustiça, sim” divulgar a gravação. “Me desculpo publicamente ao STF, a quem porventura ficou ofendido. Foi uma injustiça, sim. Corrigimos e vamos publicar uma matéria que vai para esse lado das desculpas. Erramos, e haverá retratação”, disse o presidente.

Segundo ele, “esse vídeo apareceu, foi dada uma olhada e ninguém percebeu com atenção que tinham alguns símbolos que apareciam por frações de segundos”. “Depois, percebemos que estávamos sendo injustos, retiramos e falei que o foco (nas redes sociais) são as nossas viagens”, explicou. O vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, já afirmou que tem a senha da conta de Jair Bolsonaro no site. No entanto, o chefe do Executivo disse que não pode responsabilizar o filho pela publicação. De acordo com ele, outras pessoas têm a senha. No Twitter, o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Filipe Martins, publicou uma mensagem reacendendo a discussão. “O establishment não gosta de se ver retratado, mas ele é o que ele é: um punhado de hienas que ataca qualquer um que ameace o esquema de poder que lhes garante benefícios e privilégios às custas do povo brasileiro”, atacou o subordinado de Bolsonaro, que ainda acrescentou: “Isso só mudará quando o Brasil se tornar uma nação de leões”.

Já o presidente da República em exercício, Hamilton Mourão, eximiu Bolsonaro e disse que “alguém que tem acesso à rede social” do mandatário brasileiro foi quem publicou o vídeo. “Ver, eu não vi (o vídeo). Só ouvi os comentários. Acho que foi alguém que postou, alguém que tem acesso à rede social dele, não sei quem. E ele, obviamente quando viu, tirou”, declarou.Para Mourão, como Bolsonaro já se desculpou, o assunto deveria ser esquecido. “Ele já se desculpou, porque quando ele viu o conteúdo do vídeo, retirou. Então eu acho que vira a página.”

Reação

Na segunda-feira, o ministro Celso de Mello, o mais antigo entre os integrantes do STF, criticou a publicação. Em nota, ele afirmou que “o atrevimento presidencial parece não encontrar limites na compostura que um chefe de Estado deve demonstrar no exercício de suas altas funções” e que “constitui a expressão odiosa (e profundamente lamentável) de quem desconhece o dogma da separação de Poderes e, o que é mais grave, de quem teme um Poder Judiciário independente e consciente de que ninguém, nem mesmo o presidente da República, está acima da autoridade da Constituição e das leis da República”.

No começo da tarde de ontem, o ministro Marco Aurélio Mello chegou a dizer que o vídeo seria uma “cortina de fumaça” para desviar o foco das revelações dos áudios do ex-assessor Fabrício Queiroz, investigado no Rio de Janeiro por supostamente recolher dinheiro de funcionários do gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Procurado` pelo Correio, afirmou que apesar do “ato infantil”, as desculpas do presidente ao Supremo encerram o caso.

Reincidência

O vídeo com insultos ao STF não foi a primeira saia-justa do chefe do Executivo. De 1° de abril a 29 de outubro, o presidente escreveu 4.914 tuítes. Usou a palavra “desculpa” em 11 mensagens, segundo levantamento da Bites Consultoria feito a pedido do Correio. Muitas delas foram usadas em tom de ironia, como quando ele pediu desculpas por “não indicar inimigos como ministros”. Alguns casos geraram grande repercussão. Por determinação judicial, o presidente teve de pedir desculpas à deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), por ter afirmado, quando ainda era parlamentar, que ela não merecia ser estuprada porque era “muito feia”. Como presidente, Bolsonaro teve de se desculpar por declarações ofensivas a imigrantes brasileiros e ao povo judeu, entre outros casos. (BB)