O Estado de São Paulo, n. 46535, 15/03/2021. Economia. p.B3

Inflação em alta expõe desconforto de Bolsonaro

Temor é que presidente se movimente rumo ao populismo para amenizar reajustes

Adriana Fernandes / BRASÍLIA

O risco de descontrole da inflação é o calcanhar de aquiles do presidente Jair Bolsonaro. Cobrado nas redes sociais pela alta da inflação, com vídeos que intitulam o movimento de alta dos preços como "Bolsocaro", o presidente já reclamou em público diversas vezes do reajuste dos preços da carne, do arroz, do gás de cozinha e dos combustíveis.

Bolsonaro sente o termômetro da população e sobe o tom de cobranças à equipe econômica, nas lives de todas as quintasfeiras, e nos encontros frequentes com simpatizantes na porta da sua residência oficial, o Palácio da Alvorada.

Bolsonaro tem demonstrado cada vez mais desconforto com a combinação perversa de preços altos e desemprego, que retira o poder de compra da população e a popularidade de qualquer presidente da República.

A antecipação da corrida eleitoral pelo fator Lula, após a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou as condenações do ex-presidente, amplificou o risco de o presidente adotar medidas populistas para segurar os preços e aumentar os gastos públicos para garantir a sua reeleição no ano que vem.

Esse temor ganhou fôlego depois que, nas últimas semanas, o presidente ameaçou intervir na Petrobrás e Eletrobrás (empresas do governo responsáveis por importantes insumos para a produção), isentou o preço dos combustíveis e patrocinou uma manobra para retirar o programa Bolsa Família do teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação.

A consequência desses movimentos foi mais alta do dólar, que se aproximou de R$ 6 na votação da semana passada da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do auxílio emergencial, ingrediente adicional a retroalimentar a inflação. "Com certeza, o Banco Central vai começar a aumentar os juros e as autoridades nunca gostam disso", diz o economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da consultoria MB Associados e colunista do Estadão. Para ele, esse será o teste do "pudim" da política populista do presidente. "Não estou otimista. A tentação populista é enorme", prevê o economista.

 

Ambiente. Mendonça de Barros chama atenção para um fator que acrescenta mais um complicador: a população já se acostumou a viver com inflação baixa. Existe hoje uma geração inteira que não tem ideia do que seja viver num ambiente econômico de inflação alta. Brasileiros que nem sabem o que é isso.

Essa população não aceitaria a volta da inflação de forma mais sistemática e está incomodada com a pancada de aumento de preços em plena pandemia da covid-19, que derruba o crescimento e tira emprego dos brasileiros. O ex-secretário lembra que a ex-presidente Dilma Rousseff perdeu espaço e apoio político por conta da inflação.

A percepção do time de Paulo Guedes é que o ciclo de alta das commodities (produtos básicos como petróleo, grãos e minério de ferro) no mercado internacional tem potencial de "afundar" a taxa de câmbio, mas que o movimento na direção contrária – de alta do dólar que ocorreu –, é resultado do próprio governo tropeçando nos seus próprios passos.

A avaliação é de que, se não fossem esses atropelos, a cotação do dólar deveria estar mais próxima de R$ 4,80.

Para o economista Armando Castellar, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas, o populismo aumenta a incerteza. "O episódio da Petrobrás assusta porque deixa dúvida sobre se pode se repetir (para o lado do BC) quando começar o aperto monetário (alta dos juros básicos) que hoje em dia se faz necessário pela piora das perspectivas da inflação", diz. Castellar avalia que esse ponto será mais sensível quando a inflação em 12 meses bater em 7% logo mais à frente. Apesar de aprovada a autonomia, Bolsonaro ainda tem de validar a renovação da diretoria do BC.