Título: O terror, poder e Isidório
Autor: José Sarney
Fonte: Jornal do Brasil, 01/04/2005, Outras Opiniões, p. A11

O grande problema para os partidos revolucionários é distinguir poder e realidade de governo. É aquilo que Orígenes Lessa consagrou em um dos seus livros famosos: o feijão e o sonho, a abstração e o mundo real. Foi dentro dessa visão que Bismarck sintetizou o dilema, consagrando a definição, tantas vezes repetida, de que a política é a arte do possível. Aqui, também, aceitando que política é governar.

Dentro de uma sociedade democrática as coisas funcionam na convivência e acomodação dos diversos tipos de grupos de pressão, sendo que o grupo político reunido em partido quer mais do que influenciar o governo, quer conquistá-lo.

Joaquim Nabuco, quando fez a biografia do seu pai no Um estadista do Império - talvez um dos maiores livros deste país -, ao examinar a luta dos partidos e facções num tempo bem mais tranqüilo do que o nosso, constatou que ''sem os exaltados não se ganham as revoluções, mas com eles é impossível governar''.

A Revolução de Outubro de 1917 na Rússia provou desse fel. Ela vinha embebida da recomendação de Marx, que, refletindo sobre o poder, dizia haver um só modo ''de limitar, simplificar e localizar a sangrenta agonia da velha sociedade e as sangrentas dores do parto da nova, um só meio, o terror revolucionário''. De certo modo, repetia Robespierre, que, na Revolução Francesa de 1789, também pontificava: ''O atributo do governo popular na Revolução é simultaneamente a virtude e o terror, a virtude sem a qual o terror é fatal, o terror sem o qual a virtude é impotente''. Terminou na guilhotina.

Essa visão de que pela força se transformaria o mundo foi desmentida pela História. O socialismo comunista era uma idéia generosa, uma sociedade sem classes, a utopia da felicidade. O socialismo de estado matou a liberdade e esmagou os seus fins, pelos meios.

Hoje o mundo marcha para compatibilizar os ideais de justiça social sem matar a liberdade. Esta não pode ser, contudo, a filosofia do suicídio, como a segurança e a ordem não podem ser a bandeira do homicídio.

O socialismo está renascendo na luta para salvar o estado do bem-estar social contra os ataques do neoliberalismo e da globalização financeira. Mas isto só pode ser feito de maneira duradoura dentro da democracia. Os países europeus estão dando o exemplo. O socialismo moderno não é mais revolucionário, mas sim uma etapa final da construção democrática.

Confundir governo com poder absoluto é o caminho mais próximo do desgoverno. Palocci agora deu uma lição. Em vez de tirar o FMI no tapa, que não tiraria e ficaria sem mão, tirou-o numa estratégia brilhante, sem as ''dores sangrentas''. Maquiavel, que não é autor do meu agrado, dizia que as dificuldades, na política, podem ser manejadas de dois modos: pela força, ''tarefa dos conquistadores'', ou pela ''conciliação, através da negociação e do compromisso, tarefa dos estadistas''.

No meio de tudo isso, devemos compreender, mas jamais pedir conselhos aos radicais.

Vê-se agora um exemplo desses: o deputado baiano Sargento Isidório viu estrelas com um toque de exame prostático, preventivo do câncer: ''Quase desmaio. A maneira como foi introduzido aquele dedo foi horrível.''

Afinal o terror não começa por aí e sim pelo pescoço.