O Estado de São Paulo, n. 46537, 17/03/2021. Política. p.A4

STJ nega pedidos de Flávio e dá sobrevivência a inquérito

'Rachadinhas'. Após anulação da quebra de sigilos, ministros validam compartilhamento de dados do Coaf e mantêm atos do juiz Flávio Itabaiana na investigação do MP do Rio

Rafael Moraes Moura

Em uma derrota para o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-rj), a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou ontem, por 3 votos a 2, um recurso da defesa do filho do presidente Jair Bolsonaro que contestava o compartilhamento de informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com o Ministério Público do Rio no caso das "rachadinhas". Os documentos foram o ponto de partida das investigações, indicando uma série de práticas suspeitas, como depósitos e saques de dinheiro fracionados, e envolvendo auxiliares de Flávio – então deputado estadual – na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Na mesma sessão, os ministros negaram outro recurso do senador que questionava a competência do juiz Flávio Itabaiana para cuidar das investigações na primeira instância. Se esse pedido fosse aceito, todas as decisões tomadas por Itabaiana poderiam ser anuladas, esvaziando as apurações. Na prática, as decisões de ontem deram sobrevida à apuração do Ministério Público fluminense.

O entendimento majoritário dos ministros nos dois recursos frustrou a defesa de Flávio, que esperava uma nova vitória após o STJ acolher um primeiro recurso e anular a quebra do sigilo bancário e fiscal do parlamentar e mais 94 pessoas e empresas. A Corte determinou à época que os investigadores retirassem da apuração todas as informações obtidas na quebra dos sigilos.

Ontem, no entanto, o resultado foi diferente. Com o entendimento do STJ, seguem válidos os relatórios do Coaf – inclusive o revelado pelo Estadão que indicou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão do ex-assessor Fabrício Queiroz – na investigação de um esquema de desvio de salários de servidores na Alerj. A quebra do sigilo dos investigados – derrubada pela Quinta Turma do STJ – foi solicitada pelo MP do Rio a partir dos relatórios do Coaf, que ontem foram validados pelo tribunal.

Segundo denúncia da Promotoria, a organização criminosa "comandada" por Flávio desviou R$ 6,1 milhões dos cofres da Assembleia fluminense.

Os dois recursos examinados ontem estavam previstos para serem analisados no mês passado, mas o julgamento foi adiado por decisão do relator, ministro Felix Fischer. O caso retornou agora à pauta do STJ, na esteira da divulgação de que Flávio comprou uma casa em Brasília, perto do Lago Paranoá, por cerca de R$ 6 milhões.

 

Divergência. Fischer foi o primeiro a negar o pedido para invalidar o compartilhamento de informações do Coaf com o MP do Rio. Para o relator, os procedimentos adotados pelo órgão de inteligência obedeceram aos trâmites legais, não representando uma devassa nos dados do senador. "Não há comprovação de 'fishing expedition'", disse Fischer, em referência ao termo em língua inglesa que se refere à "pesca" de provas por órgãos de investigação. Os ministros Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas concordaram com o relator.

Considerado alinhado ao Palácio do Planalto, o ministro João Otávio de Noronha, por sua vez, viu irregularidades na atuação do Coaf. Noronha concordou com as acusações do parlamentar de que o órgão agiu como auxiliar do Ministério Público na investigação das rachadinhas. "Eu não questiono que o Coaf possa compartilhar dados com o Ministério Público ou com o juiz. O que eu questiono são os limites e a maneira como esse relacionamento deve se dar", disse.

Noronha é criticado por colegas nos bastidores do STJ por, na visão deles, tentar se cacifar para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). "O conjunto dos fatos convence da atuação irregular do Coaf, buscando informações para fortalecer a acusação, invadindo a esfera da privacidade e da intimidade", afirmou Noronha, classificando o episódio como "estarrecedor".

O ministro Joel Ilan Paciornik acompanhou Noronha e votou para derrubar o compartilhamento de informações. Para Paciornik, houve "comunicações informais" entre o Coaf e o Ministério Público "carentes de legalidade".

 

Supremo. Os advogados Frederick Wassef e Rodrigo Roca, à frente dos habeas corpus rejeitados ontem, anunciaram que vão recorrer ao Supremo. Nos bastidores, advogados consideraram que os ministros votaram, agora, sob intensa exposição midiática. Na expectativa de um resultado favorável, Flávio chegou a convocar jornalistas para entrevistas num hotel em Brasília, mas desistiu de última hora após a dupla derrota.

De acordo com os advogados, "o Coaf foi transformado em um órgão de investigação", porque os promotores teriam requisitado informações sigilosas que não constavam na base de dados do órgão, sem que ele fosse formalmente investigado num procedimento criminal. O argumento será o mesmo levado ao Supremo.

"O Coaf não pode ser transformado em órgão de investigação. O Coaf é um banco de dados, órgão administrativo, e só pode compartilhar o que ele já tem, quando requerido por autoridade em processo preexistente. Não pode ficar trocando informações com qualquer membro do Ministério Público, sem que a pessoa esteja sendo formalmente investigada", disse Wassef.  / COLABORARAM CAIO SARTORI e FELIPE FRAZÃO

 

RECURSOS

• Quebra de sigilo

Em 23 de fevereiro, por 4 a 1, a Quinta Turma do STJ acolheu um dos pedidos da defesa do senador Flávio Bolsonaro e anulou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do parlamentar na investigação das "rachadinhas". A decisão alcançou outros 94 alvos, entre pessoas e empresas.

 

• Relatórios do Coaf

Ontem, a Quinta Turma do STJ negou, por 3 votos a 2, outro recurso de Flávio que questionava o compartilhamento de informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com o Ministério Público do Rio no caso das "rachadinhas".

 

• Decisões da 1ª instância

Ainda ontem, o STJ rejeitou um terceiro recurso do senador que contestava a competência do juiz Flávio Itabaiana para conduzir as investigações na primeira instância. A defesa de Flávio defendia a anulação de todas as decisões tomadas por Itabaiana.