Título: Severino e os severinos
Autor: Leonardo Boff
Fonte: Jornal do Brasil, 01/04/2005, Outras Opiniões, p. A11

Estarrecidos, estamos contemplando os pecados públicos de natureza política e religiosa que o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, vem cometendo sem qualquer pudor. Chantageia o presidente da República sem nenhum respeito ao supremo cargo da Nação. Pausadamente, com toda a seriedade e com o dedo em riste. Depois, mente publicamente, dizendo que foi só brincadeira. Não contente, faz a apologia dos vícios do nepotismo, fisiologismo e corporativismo. Com despudor confessa: ''Se tivesse mais filhos, estaria colocando lá também''. Todos os corruptos que empregam parentes no serviço público se sentem perdoados, justificados e estimulados. Prometeu elevar o salário dos deputados dizendo que o povo brasileiro assim o queria, o que é pura inverdade. A pressão popular o impediu, mas em compensação, elevou a verba de gabinete dos deputados de uma forma que insulta a quem vive de trabalho e de suor.

Todos estamos envergonhados. Mais envergonhados deveriam estar os deputados que o elegeram. Estes são indesculpáveis. Eles sabiam a quem estavam elegendo. Votaram nele para dar uma lição ao PT, dividido e confuso na articulação politica. Pensaram mais nos próprios interesses corporativos que nos interesses da nação. Somaram-se à maioria das elites que costumeiramente tratam a República, não como res publica mas como res privata da qual se servem para garantir privilégios, prestígio e dinheiros. Definitivamente, a nação brasileira não merecia ser castigada com a eleição indecorosa de alguém que incentiva gaiamente vícios públicos.

Mas o pecado maior de Severino é o contra o Nazareno. É bom que ele saiba, já que se confessa cristão conservador e até reacionário, que quando o Novo Testamento diz que Jesus é nazareno não o faz apenas para assinalar que era cidadão de Nazaré. Mas para mostrar solidariedade para com os pobres e mal-afamados, subentedidos na palavra ''nazareno''. O evangelista São João no-lo recorda: ''pode sair alguma coisa boa de Nazaré?'' Em Nazaré mora ''o zé povinho que não conhece a lei, que se misturou com pagãos''. Dizer que Jesus é nazareno é o mesmo que dizer que se fez severino e desprezado, biblicamente que se fez ''carne'' assumida pelo Filho de Deus. Existe até um livro de um teólogo alemão que viveu entre nós com o título: ''Jesus que se chama Severino: uma cristologia brasileira''. Ora, Severino com seu comportamento ofendeu Jesus, o Nazareno, o severino divino. E junto ofendeu também a todos os severinos de nosso Brasil, que são boa gente, que vivem na miséria mas enfrentando com fé e dignidade a rudeza da seca.

Por fim, Severino tem uma história de mau cristão. Opô-se como pôde a Dom Helder Câmara e foi quem insuflou o processo de expulsão do Padre Vito Miracapillo e o conseguiu. Quem combate o maior profeta do Terceiro Mundo a quem o Papa chamou de ''meu irmão'' e pede a expulsão de um padre comprometido com os pobres, coisa boa não é.

Agora se revelou inteiro: péssimo político, mau presidente da Câmara e cristão ruim. Seus pecados públicos não podem ser perdoados no confessionário, onde se confessam os pecados privados. Esse pecado é público e só pode ser perdoado publicamente. Que peça humildemente perdão, não a Deus (pois, em sua misericórdia, recolhe em seu rebanho até as ovelhas tresmalhadas) mas à nação brasileira e aos cristãos pelo torpe escândalo político e religioso que deu.