Título: Calvário público divide religiosos
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Fonte: Jornal do Brasil, 01/04/2005, Internacional, p. A12

Enquanto alguns católicos elogiam a tenacidade de João Paulo II, outros denunciam que seu sofrimento se tornou espetáculo

ROMA - O calvário público de João Paulo II divide a Igreja Católica. Enquanto alguns religiosos aplaudem a vontade de João Paulo II de mostrar até fim os valores cristãos, outros denunciam ''o sofrimento transformado em espetáculo'', ao qual o Santo Padre está sendo submetido.

As dramáticas imagens do Santo Padre se esforçando para dirigir-se aos milhares de católicos que acompanham de perto suas aparições - a última delas na quarta-feira - transmitidas ao vivo em inúmeros países, comoveram todo o mundo e ao mesmo tempo geraram o debate interno na Igreja.

Debilitado, sem poder falar nem caminhar, a tenacidade do pontífice, que completa 85 anos em maio, suscita reações contraditórias.

- Sinto dois sentimentos fortes e opostos: sincera comoção por Karol Wojtyla e incômodo pela ostentação da dor - lamentou o religioso Vincenzo Marras, diretor da revista Jesus, em entrevista ao jornal italiano La Stampa.

Para o padre Antonio Sciortino, do influente semanário Família Cristã, as comoventes aparições feitas recentemente pelo pontífice ''reforçam sua mensagem e sacodem os corações inclusive dos que não são fiéis'', afirmou, também ao La Stampa.

Mesmo antes da deterioração de seu estado de saúde ontem, o papa já não falava em público desde 13 de março. Na Semana Santa, permaneceu em silêncio durante as cerimônias e participou através das imagens de televisão, desde seu quarto no Vaticano.

Na opinião de Marras, as aparições não só são perigosas para sua frágil saúde, mas também convertem ''o sofrimento em um espetáculo'', o que considera extremamente negativo.

- O problema não é a dor ao vivo na televisão, e sim transformar em espetáculo um momento tão privado e íntimo como é o da doença - destaca Marras.

De acordo com o religioso, centralizar tudo no ''calvário'' de João Paulo II acaba por deixar em segundo plano a mensagem de Cristo.

- É Cristo que nos ajuda a nos levantar das quedas e não o pontífice - comenta.

Por outro lado, Sciortino opina que na visão do Santo Padre trata-se de testemunhar o significado de sua missão, um sinal que vai contra às atuais tendências da sociedade da imagem, que persegue a perfeição artificial e as aparências.

Os mesmos sentimentos contraditórios foram expressados por fiéis de todo o mundo que assistiram na quarta-feira a última aparição pública e silenciosa do pontífice.

- O Santo Padre não pode continuar dirigindo a Igreja, está doente - comentou a católica belga Quintein Masure na praça de São Pedro.

Para a imprensa européia, o excesso de exibição na mídia da ''longa agonia'' do papa, pode trazer efeitos negativos para a própria Igreja, segundo adverte o jornal francês Le Monde.

''As câmaras de televisão focalizadas no Vaticano e no papa ocultaram as celebrações da Semana Santa no resto do mundo'', escreveu o diário.

Mesmo antes da recaída de ontem à tarde, fontes do Vaticano já previam que as aparições deveriam diminuir nos próximos dias.