Correio Braziliense n. 20607, 24/10/2019. Brasil, p. 7

Ação efetiva contra o óleo

Entrevista: Ricardo Salles


Em meio à crise do vazamento de óleo no litoral do Nordeste, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo jamais foi extinto. Conforme garantiu, ontem, em entrevista ao CB.Poder — uma parceria entre a TV Brasília e o Correio Braziliense —, o PNC está sendo seguido desde 2 de setembro, e não desde em 11 de outubro —como têm afirmado os críticos —, sob coordenação da Marinha.

O ministro também considera que a situação inédita de ter de lidar com uma substância cujas manchas ficam, sobretudo, abaixo da linha d'água, dificulta a operação, pois o rastreamento espacial não é capaz de detectar o movimento que fazem. Assim, a operação de contenção torna-se quase pontual, quando o óleo se aproxima ou já está na areia da praia.

Salles destacou que o trabalho dos voluntários na limpeza das áreas atingidas tem sido inestimável, e que está aberto ao diálogo com organizações não governamentais com propostas e sugestões técnicas a oferecer — o que não seria, segundo ele, o caso do Greenpeace, cujo interesse é somente o de fazer oposição política.

Por que o Plano Nacional de Contingência só foi acionado mais de 40 dias depois do surgimento das manchas de óleo?

O Plano vem sendo aplicado, e todos os procedimentos previstos, desde o dia 2 de setembro. Não é verdade que só foi utilizado em 11 de outubro. Desde 2 de setembro, o grupo de acompanhamento e avaliação, composto por Ibama, ANP (Agência Nacional do Petróleo) e Marinha, vem monitorando todo o litoral, não só utilizando satélites estrangeiros, satélites nacionais, avião-radar do Ibama, helicópteros do Ibama e da Marinha, e retirando o óleo. Aliás, em todas as praias onde aparece, vem sendo retirado no mesmo dia, o que mostra eficiência. Também a destinação é importante: fizemos entendimentos com a indústria de cimento para esse óleo ser incinerado nos fornos.

O Governo subestimou o desastre? O ministro da Defesa disse que o Exército demorou a entrar porque o governo não tinha a dimensão.

Ninguém tem o tamanho porque não se sabe a quantidade e nem a forma como foi derramado. Não é possível dimensionar o problema. O que se fez, à medida que o óleo foi aparecendo: equipes foram sendo empregadas, retirando e dada a destinação. Foi dada a resposta adequada: o aumento do efetivo pelo Exército, somado àquele que já estava lá e ao trabalho dos voluntários. Nós acolhemos e agradecemos aos voluntários.

Não há garantia de que manchas não apareçam em outras praias?

Não se sabe como esse óleo venezuelano veio parar no litoral. É mais pesado, portanto vem mais ou menos um metro e meio abaixo da superfície. O avião-radar do Ibama, os satélites, os helicópteros não conseguem identificar o movimento dessas manchas. Só aparecem quando estão próximas à costa ou já na areia.

Houve um complô?

Nenhuma hipótese pode ser descartada. Primeiro, é petróleo de um estado que está se desmontando. Segundo, não sabemos como chegou. Apareceram os barris da Shell, reutilizados com óleo venezuelano. Estamos também em meio ao leilão da 16ª rodada de petróleo e gás, que é um dos maiores lotes do mundo. Há interesses econômicos, há interesses políticos, há interesses de várias naturezas.

A percepção é de que o governo está chegando atrasado nos desastres ambientais. A gente viu isso na Amazônia. Isso se deve ao desmonte dos órgãos fiscalizadores? O governo extinguiu em abril o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água.
Não extinguiu. Ao contrário, está sendo seguido com a coordenação da Marinha.

Pretende chamar governadores, prefeitos para uma mega-ação?

Temos feito mais que chamá-los. Temos ido lá. Fui aos estados do Nordeste atingidos cinco vezes; fui a três num mesmo dia. O ministro (Gustavo) Canuto está lá. O ministro da Defesa, general Fernando (Azevedo e Silva), estava em Recife comigo; a Marinha... todas as autoridades estão lá.

Já acabou aquela divergência entre o governador de Pernambuco e o presidente Bolsonaro?

O mundo da política nada tem a ver com o do executivo. O trabalho técnico independe de questões políticas, que vão ser sempre assim: haverá discussão para instrumentalizar o discurso, dizer que se não dá atenção ao Nordeste. Não é verdade.

Como vai lidar com os grupos ambientais, apesar das divergências?

Aqueles que estão trabalhando de maneira firme, colaborativa, profissional, temos apoiado, reconhecido. Aqueles, a exemplo desse Greenpeace, que foi dizer que não podia ajudar a limpar as praias, não tem colaboração possível. São bons de levantar dinheiro, mas de trabalhar...

Vai recebê-los?

Não recebo terrorista.

Como o governo está se preparando para trabalhar com a imagem do Brasil lá fora?

O que se faz é o que a sociedade queria contra a corrupção. Há, sim, informações que vão para o exterior de maneira incompleta ou deturpada. Em toda viagem, estivemos com entidades ambientalistas, autoridades governamentais, investidores que têm interesse no Brasil. Em todos os lugares que a gente foi está o Greenpeace para tirar uma casquinha e falar mal. A gente viu uma desinformação muito grande com relação às queimadas e à Amazônia. Conseguimos mostrar a realidade.

Onde o governo errou na questão ambiental?

É um país complexo, com uma herança problemática na área. A agenda da bioeconomia é tida como a grande promessa para a Amazônia... Ora, por que não se fez até hoje? Porque não é fácil, porque havia aversão à participação do setor privado, porque não respeitavam o direito de propriedade e não facilitam o direito de pesquisa em desenvolvimento.

O senhor discutiu, nos EUA, a criação de um fundo. Como está isso?

Avançando bem. Há grande interesse de empresas privadas em serem ou doadoras-partícipes. Finalmente atrairemos empresas privadas para a Amazônia. Você não vê nenhum grande laboratório farmacêutico na Amazônia. Por que não temos nenhuma cadeia internacional para desenvolver o ecoturismo na Amazônia? Temos que olhar quais são os obstáculos, os óbices ao investimento, ao desenvolvimento, e atacar esses gargalos. Não adianta fazer gesto e declaração de que somos exemplo para o mundo se não temos a capacidade de atrair o recurso financeiro, sobretudo na Amazônia, deixada para trás.

* Estagiária sob supervisão de Fabio Grecchi