Título: FMI alerta sobre dívida pública
Autor: Léo de Almeida Neves*
Fonte: Jornal do Brasil, 01/04/2005, Economia & Negócios, p. A20

Na euforia pelo fim do acordo com o FMI passou despercebido o resumo da avaliação anual da economia brasileira publicado dia 25.03.2005, no qual, após elogiar nossa política macroeconômica e fiscal, o Fundo faz incisivo alerta sobre a ¿elevada dívida pública brasileira¿, que seria a ¿vulnerabilidade mais flagrante do país¿. Para atenuar essa ¿vulnerabilidade¿ só há três soluções: altear o superávit primário (absolutamente impraticável), baixar a taxa de juros ou crescer economicamente para diminuir a relação débito público/ PIB.

Em meu artigo Campeão mundial de juros e do câmbio valorizado, comentei que talvez só o FMI pudesse demover o Copom do Banco Central de sua desastrada política de contínuo acréscimo da taxa Selic, responsável por inflar a dívida pública e pela valorização forçada das cotações do real, porque atrai montanhas de dólares especulativos.

Analistas econômicos independentes e descompromissados previam que os juros cairiam em dezembro/2004 para 14%, pois a inflação estava razoavelmente controlada e o cenário nacional e internacional limpidamente favorável. Contudo, surpreendentemente o Copom congelou em junho, julho e agosto/04 a taxa Selic em 16% e recomeçou em setembro de 2004 a sua marcha para cima durante sete meses consecutivos, consolidando a posição brasileira de líder da usura (remuneração líquida de 13%).

Apesar da perda de ritmo no último trimestre/04, o país pôde comemorar 5,2% a mais no PIB de 2004 e evidenciou ao planeta sua vocação exportadora, com superávit na balança comercial de US$ 33,7 bilhões e receita cambial de quase US$ 100 bilhões (já ultrapassada). A fim de pagar os juros estratosféricos de nosso endividamento e cumprir outros compromissos, as empresas e o povo suportam carga tributária alta, mas o setor exportador é livre de impostos, salvo alguns resquícios de saldos credores de ICMS e de contribuições sociais.

Era previsível a continuidade de arrancada em 2005. O presidente Lula fez sinalizações nesse sentido: ¿vamos continuar crescendo 5% ou mais¿, ¿A cotação boa do câmbio seria entre R$ 2,90 e R$ 3,10¿.

Esperava-se muitos investimentos diretos nacionais e estrangeiros, com empresários tirando das gavetas projetos prontos, garantindo empregos, produção e receita cambial. Entretanto, a diretoria do Banco Central tinha outras idéias e traçou meta ambiciosa de inflação de 5,1% em 2005 e de 4,5% em 2006, e para isso (presume-se) os juros básicos, Selic, teriam que chegar a 20% (já estão em 19,25%) ao ano e o aumento do PIB não poderia ultrapassar 3,5%. E assim, mês a mês, os juros foram subindo acarretando duas conseqüências imediatas: maior dívida interna e valorização do real, favorecendo as importações e o turismo externo e dificultando exportações de calçados, componentes eletro-eletrônicos, têxteis e outras. Esclareça-se que o superávit de US$ 7 bilhões neste trimestre é o resultado do cumprimento de contratos anteriores.

Ressalte-se que o Banco Central agiu bem ao comprar dólares e aumentar nossas reservas líquidas para US$ 36 bilhões (embora o desejável seja US$ 50 bilhões a US$ 70 bilhões), atitude que suscitou a taxa do dólar deslocar-se de R$ 2,60 para R$ 2,70 ainda insuficiente, devendo retornar pelo menos a R$ 3 para não comprometer nosso esforço exportador.

A ata do Copom de 24.03.2005 justificou os 19,25% da taxa Selic e inseriu alegações para novas altas de juros : ¿incerteza na política monetária norte-americana¿, ¿escalada nos preços do petróleo¿, afora a recorrência de identificar ¿focos localizados de pressão na inflação corrente¿. Na análise trimestral de inflação, de 29.03.05, os ¿sábios¿ do Banco Central estavam mais confiantes.

Ninguém contesta que juros altos controlam inflação, mas o Banco Central poderia adotar soluções alternativas que não afetassem a dívida pública e a taxa de câmbio. Por exemplo, acrescer Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e introduzi-lo na entrada de capitais de curto prazo, identificar setores com demanda aquecida (eletrodomésticos, se fosse o caso) e encurtar o número de prestações de pagamento, medida aliás utilizada no passado com sucesso; monitorar preços de monopólios e de cartéis, através do IBGE.

É tempo de o governo Lula mudar a diretriz de seus rumos, porque o déficit social é imenso, a criminalidade avança para o interior e está se tornando quase incontrolável nos grandes centros urbanos, e o desemprego desalenta milhões de compatriotas (17,1% na grande São Paulo).

O país tem gana de investimentos e os voltados à exportação são os mais atraentes e exeqüíveis. É preciso coragem e sabedoria de abrandar metas de inflação incompatíveis com nossa realidade, e reduzir os juros básicos (será que só o Brasil está certo e todos os demais países emergentes estão errados?) e manter câmbio competitivo para incentivar nossas vendas externas.

Concomitantemente, é fundamental austeridade nos gastos, não admitir descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e ser implacável no combate à corrupção e à irresponsabilidade orçamentária.