O Estado de São Paulo, n. 46538, 18/03/2021. Metrópole. p.A17

Isolamento social no País está em 34,4%

Paula Felix

Roberta Paraense

ESPECIAL PARA O ESTADÃO

 

Apesar do aumento de casos de covid-19, pressão nos hospitais e Estados anunciando medidas restritivas, os índices de isolamento social no Brasil ainda estão distantes dos 70% preconizados por especialistas para frear a disseminação do vírus. Segundo dados do Monitor Estadão/inloco o índice no País estava em 34,4% anteontem.

O Estado do Pará registra o índice mais alto de isolamento, com 42,8%. No fim do ranking, estão Espírito Santo (31,2%), Mato Grosso do Sul (31%) e Santa Catarina (30,3%). São Paulo teve taxa de 33,5%.

No caso do Estado de São Paulo, o índice também é monitorado pelo Sistema de Monitoramento Inteligente de São Paulo (SIMI-SP), que nesta terça-feira apontou 44% de isolamento. A diferença está na metodologia. Enquanto os dados oficiais são baseados em sinais capturados pelas antenas de operadoras de telefonia, os analisados pelo Monitor Estadão/inloco partem de informações obtidas diretamente de sensores presentes nos sinais de GPS e Wifi de aparelhos celulares – um modelo reconhecido por entidades da área de computação, como a Conference on Economics and Computation e o Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), nos Estados Unidos.

Em abril e maio do ano passado, quando os dados do SIMISP flutuavam entre pouco mais de 45% e menos de 60%, o governo do Estado enfatizava a importância de atingir os 70% de isolamento. Agora, por mais que a medida seja recomendada, a gestão estadual não trabalha com um índice como meta, de acordo com a secretária de Estado de Desenvolvimento Econômico Patricia Ellen.

Ela diz que as medidas da fase emergencial devem reduzir a circulação de pessoas e, consequentemente, a transmissão do vírus. "Nós fizemos uma estimativa e, com as mudanças do teletrabalho, vamos ter uma redução de até 4 milhões de pessoas circulando e melhora do isolamento." Patricia ressalta também que a população precisa colaborar e entender que a restrição de circulação tem como objetivo evitar o colapso nos hospitais e salvar vidas.

Para o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que também é professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e da Escola de Saúde Pública de Yale, apenas com uma taxa de isolamento na casa dos 70% é possível reduzir o número de casos e conter a grave situação dos hospitais. "Fase emergencial ainda não é lockdown. Nunca chegamos a um nível de 70% de isolamento e, para evitar a transmissão rápida, só acima de 70%." Croda explica que duas semanas de lockdown seriam suficientes para alcançar este resultado. "Só acima de 60% que tem a taxa de contágio abaixo de 1 com queda lenta e progressiva. Com 50%, não tem aceleração, mas não tem redução. É estabilidade com platô elevado."

 

Pará. No terceiro dia de lockdown em cinco municípios da região metropolitana do Pará, o movimento nas ruas era menos intenso do que em dias normais, mas ainda sim era possível ver muitas pessoas circulando nos locais públicos. Consumidores e trabalhadores se aglomeravam no entorno do mercado do Ver-o-peso, em Belém. Já nas Avenidas Nazaré e José Malcher, duas das mais movimentadas do centro, por volta das 11h30, a movimentação de veículos estava tranquila, sem engarrafamentos, como é comum em dias sem restrições.

A partir desta quarta-feira, quem for flagrado nas ruas sem um motivo elencado nas atividades essenciais do decreto estadual publicado na segunda-feira fica passível de multa de R$ 150. Até terça, a fiscalização era de cunho educativo. Agora, barreiras com agentes da segurança pública foram montadas nos principais corredores de cinco cidades para tentar coibir a circulação indevida.

"Nós estamos retornando com a divulgação desses dados e, no primeiro dia da publicação, já em vigor o lockdown, nós tivemos o Pará como o segundo melhor isolamento social do Brasil e Belém como o melhor isolamento entre as capitais do País. Claro que ainda precisamos melhorar, ainda é muito aquém do que é desejado pelos órgãos de saúde, mas reflete justamente o efeito do lockdown", explicou o secretário de Segurança Pública e Defesa Social do Pará, Ualame Machado.

Durante o bloqueio total das atividades, a maior dificuldade do belenense é manter o distanciamento social dentro do transporte público. Os trabalhadores precisam ficar espremidos dentro dos coletivos, para ir e voltar para casa. "É impossível não pegar o vírus dentro de um ônibus lotado. Tem pessoas que vêm na porta, penduradas. Com o calor, tiram a máscara para enxugar o suor", lamenta a babá Antônia Silva, de 42 anos.

 

Sem contradição

"Não existe dicotomia entre saúde e economia. É passar por sacrifício entre ficar em casa ou passar pelo risco de ficar sem leito."

Patricia Ellen

SECRETÁRIA DO DESENVOLVIMENTO/SP

 

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Covid recém-diagnosticada agrava cirurgia de câncer

 

 


Estudo aponta que o ideal é adiar cirurgias por pelo menos sete semanas após infecção com coronavírus

 

Giovana Girardi


O trabalho, publicado na revista científica Anaesthesia na semana passada, tinha como objetivo determinar por quanto tempo idealmente é possível atrasar uma cirurgia em pacientes com câncer que foram infectados pela covid-19.Cirurgias para a retirada de tumores realizadas em menos de sete semanas após o diagnóstico de covid-19 tiveram um risco de mortalidade aumentado em ao menos 140%, passados 30 dias após a operação. É o que revela um estudo multicêntrico, realizado em 116 países, entre eles o Brasil, que mensurou mais uma das consequências da pandemia do coronavírus.

Os pesquisadores, ligados ao Covidsurg Collaborative, com financiamento do Instituto Nacional de Pesquisa em Saúde, do Reino Unido, avaliaram o que ocorreu com pouco mais de 140 mil pacientes de câncer que passaram por cirurgia em outubro do ano passado em várias partes do mundo. Do total, 3.127 pacientes (2,2%) tinham recebido o diagnóstico de covid-19 algumas semanas antes do procedimento.

Nas pessoas que não tiveram covid-19, a mortalidade média foi de 1,5% no período de 30 dias após a cirurgia – dentro do considerado normal para esse tipo de procedimento. Entre os que tinham se infectado, porém, a mortalidade foi tanto maior quanto mais perto do diagnóstico de covid-19 foi feita a cirurgia, assim como também foram maiores os riscos de complicações pulmonares.

Em até duas semanas após o diagnóstico da infecção com o coronavírus, a taxa de mortalidade subiu para 4,1%; entre três e quatro semanas foi de 3,9%; e entre cinco e seis semanas, de 3,6%. Em comparação com a linha de base, o tempo da cirurgia representou, respectivamente, um aumento do risco de morte de 173%, 160% e 140%. Somente nas cirurgias realizadas após sete semanas ou mais do diagnóstico é que o risco de mortalidade voltou a se assemelhar ao de não infeccionados.

 

Decisão de esperar. "Com esse trabalho produzimos novos conhecimentos sobre o tempo de segurança do tratamento que vão mudar a forma de cuidar desses pacientes a partir de agora", disse ao Estadão o oncologista Felipe Coimbra. Diretor do Instituto Integra Saúde e médico da área de Tumores Gastrointestinais do A.C. Camargo Cancer Center, ele foi um dos 50 pesquisadores brasileiros a participar do levantamento.

O estudo traz uma base científica para orientar uma decisão que Coimbra e outros médicos já vinham tomando nos últimos meses. Foi o caso de Claudio Mira Galvão, de 64 anos, que tinha cirurgia marcada em novembro passado para a retirada de tumores no fígado e na pleura, mas foi diagnosticado com covid cerca de dez dias antes. Por razões médicas, a cirurgia foi adiada para dezembro, e ele contraiu a síndrome neurológica de Guillain-barré. A cirurgia, por fim, só foi realizada em janeiro.

 

Tempo de segurança. Os autores do estudo recomendam que o ideal é adiar cirurgias programadas por pelo menos sete semanas após a infecção com covid-19. O prazo precisa ser ainda maior para quem permanecer com sintomas por mais tempo.

Uma das regras de ouro na luta contra cânceres é operar o mais rápido possível para ter maior sucesso – mas a covid trouxe um risco a mais. "Agora temos de calcular esse balanço entre quanto tempo é possível esperar para fazer a cirurgia sem prejudicar a chance de cura do paciente", comenta Coimbra.

 

Novos critérios

"Conhecimentos sobre o tempo de segurança de tratamento vão mudar a forma de cuidar desses pacientes a partir de agora."

Felipe Coimbra

HOSPITAL A.C. CAMARGO