O Estado de São Paulo, n. 46538, 18/03/2021. Economia. p.B1

BC inicia novo ciclio de alta de juros e surpreende ao elevar taxa para 2,75%

Eduardo Rodrigues

Idiana Tomazelli / BRASÍLIA

 

Mesmo com a atividade econômica novamente freada pelo agravamento da pandemia de covid-19, o Banco Central se viu forçado a elevar os juros da economia para tentar conter a ameaça da inflação – e surpreendeu no tamanho do ajuste. Com a alta persistente de preços, o Comitê de Política Monetária (Copom) não só elevou ontem a Selic (taxa básica de juros) em 0,75 ponto porcentual, para 2,75% ao ano, mas também indicou uma nova rodada de aperto para o mês de maio.

O “cavalo de pau” na política de estímulo veio 21 dias após a sanção da autonomia formal do Banco Central pelo presidente Jair Bolsonaro, com a bandeira de garantir a condução da política de juros sem pressões políticas. O aumento foi o primeiro em quase seis anos: a última vez que o BC precisou elevar juros foi em julho de 2015, ainda sob o governo Dilma Rousseff.

Desde agosto do ano passado, a Selic estava estacionada em 2%, no menor nível da série histórica. Na prática, quanto menores são os juros básicos da economia, mais barato fica o crédito para empresas e famílias. Por isso, o relaxamento na política do Banco Central abriu caminho ao crescimento dos financiamentos no auge da crise e ajudou a segurar as quedas na atividade e no emprego.

Nos últimos meses, porém, a inflação acelerou e virou o calcanhar de aquiles do presidente Jair Bolsonaro. Cobrado nas redes sociais pela alta da inflação, com vídeos que intitulam o movimento de alta dos preços como “Bolsocaro”, o presidente já reclamou em público diversas vezes do reajuste dos preços de combustíveis e alimentos.

Diesel. Na tentativa de conter o preço do diesel, encomendou à equipe econômica uma desoneração de tributos e demitiu o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, indicando para seu lugar o general da reserva Joaquim Silva e Luna. Os anúncios caíram mal no mercado, geraram desconfiança e contribuíram para elevar a cotação do dólar – um elemento que joga ainda mais lenha na fogueira da inflação.

Ao voltar a subir os juros, o Copom mira a inflação de médio e longo prazos, tentando evitar que a alta dos preços se dissemine na economia. Para o fim de 2021, o BC já estima uma inflação de 5%, bem acima do centro da meta para este ano de 3,75%, e já perigosamente próxima do teto. Com uma margem de tolerância de 1,5 ponto, o IPCA precisa ficar entre 2,25% e 5,25%. Nas projeções de mercado, a inflação acumulada deve passar de 7% no meio do ano para só então arrefecer e fechar o ano dentro da meta.

Para 2022, as expectativas seguem ancoradas, em 3,5%, exatamente no centro da meta de 3,5% no próximo ano (margem de 2% a 5%). Por isso, a maior parte do mercado esperava um aumento menor da Selic nesta reunião, de 0,50 ponto.

No comunicado da decisão, o BC argumentou que a elevação mais forte tem o efeito positivo de evitar justamente que a inflação estoure o teto da meta neste ano. E já anunciou que, a não ser que as condições mudem significativamente, uma nova elevação de 0,75 ponto deverá ser aplicada na próxima reunião, levando a taxa para 3,50% em maio.

O Copom também reconheceu que o agravamento da pandemia pode atrasar o processo de recuperação da atividade econômica, o que colocaria a inflação abaixo da meta e prescreveria a continuidade do estímulo. Por outro lado, o BC alertou que o risco fiscal elevado, dada a necessidade de gastos para combater a pandemia, segue criando uma “assimetria altista no balanço de riscos”, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado. Daí a decisão de subir os juros e evitar um descontrole nas expectativas.

Desde junho do ano passado o Brasil vivia uma situação incomum: a de figurar entre os países com os juros reais (descontada a inflação) abaixo de zero. Com a elevação para 2,75%, o País deixa o campo dos juros reais negativos volta ao terreno dos juros positivos, em 0,76% ao ano, de acordo com os cálculos da Infinity Asset Management.

 

Isolamento e inflação

"A alta da Selic deveria ter sido postergada até que os efeitos do isolamento sobre a trajetória da inflação pudessem ser avaliados."

Robson Braga de Andrade

PRESIDENTE DA CNI

 

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Para analistas, BC ficou sem saída ao ver inflação e dólar altos

 

 

Douglas Gavras

A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, de elevar os juros básicos em 0,75 ponto surpreendeu a maior parte dos analistas, que esperavam um aumento menor da Selic. Na visão de economistas ouvidos pelo Estadão, no entanto, a medida demonstra a preocupação do BC em lidar com a alta de preços e do dólar e era inevitável – embora haja divergências sobre a velocidade desse aumento.

Para José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (IBRE/FGV), e ex-diretor do BC, apesar de a entidade entender que os choques recentes na economia são temporários, eles estão em uma dimensão relevante, e o quadro para a inflação se tornou preocupante. "Quando se olha o comportamento dos preços ao produtor, a alta é substancial."

Ele completa que a questão fiscal no Brasil também é preocupante e que há uma falta de apetite pelo enfrentamento desse problema. "Principalmente para conter a evolução das despesas obrigatórias. E há sinais de traços de populismo na condução da política econômica."

Já a consultora econômica Zeina Latif diz que o movimento do BC poderia ter sido mais modesto, para acompanhar os desdobramentos da economia. Ela também avalia que a eficácia da alta de juros será baixa. "No curto prazo, o dólar deve recuar, mas os principais fatores para o descolamento do dólar são a questão fiscal, a falta de uma agenda de governo e a incompetência para lidar com a pandemia. A tendência é termos um aperto mais forte dos juros do que se imaginava."

André Perfeito, economistachefe da Necton, destaca que a Selic deveria ter subido antes. "Juro mais alto, porém, pode cair mal e precisamos observar os efeitos políticos disso. Mas tudo piorou rapidamente e não adianta ter juros no lugar certo e a economia no lugar errado."

Já Fabio Silveira, sócio-diretor da Macrosector Consultores, critica a elevação dos juros. "Foi um grande erro de análise. Não era para fazer nada agora, pois há uma inflação de custos, não de demanda. Em vez de esfriar os preços, vai esfriar a ainda frágil demanda."

'Substancial'

"Quando se olha os preços ao produtor, a alta é substancial."

José Júlio Senna

ECONOMISTA DO IBRE/FGV