Correio Braziliense, n. 21348, 27/08/2021. Política, p. 4

Fux vê "roupagem de uma ameaça"
Augusto Fernandes
27/08/2021



Presidente do Supremo faz crítica contundente ao pedido de impeachment contra Moraes, apresentado por Bolsonaro, e enfatiza que decisões judiciais não podem ser criminalizadas

No dia seguinte ao arquivamento do pedido de impeachment formulado pelo presidente Jair Bolsonaro contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Corte, Luiz Fux, criticou de forma contundente a iniciativa do chefe do Executivo.

Segundo Fux, o impeachment "é um remédio extremo" e a sua utilização contra um ministro do STF "tem uma roupagem de uma ameaça, de cassação do juiz" por conta das opiniões proferidas por ele. O presidente do Supremo ainda disse que "juízes têm independência jurídica para decidir de acordo com a lei e a Constituição Federal" e ponderou que "suprir a independência jurídica de um juiz (significa que) não haverá ordem, não haverá paz".

Fux destacou que juízes e ministros "não podem atender esses reclames exacerbados, sob pena de nós contemplarmos uma ditadura sectária inadmissível numa democracia". "Não é possível que, em uma democracia, as decisões judiciais sejam criminalizadas. Aqueles que não aceitam as decisões judiciais devem se utilizar dos recursos próprios, das vias próprias jurisdicionais, e não do impeachment", reprovou, ao participar de um evento. "A democracia brasileira não admite que juízes trabalhem sob o páreo de ter de corresponder à vontade de A ou de B, sob pena de sofrer impeachment."

Segundo o ministro, o impeachment é um remédio que exige a observância de determinadas tipicidades, como a adequação do fato ao cabimento do impedimento. Conforme frisou, no caso envolvendo Moraes, "não havia absolutamente nenhum reflexo de um ato praticado que se enquadrasse na previsão das instâncias de impeachment".

Fux sustentou que o arquivamento do pedido de impeachment de Moraes preserva a independência dos magistrados. "Sabe o que restou dessa decisão? Restou exatamente a consagração de um dos requisitos que a sociedade exige do juiz, qual seja, a sua independência. A sociedade espera do juiz nobreza de caráter, conhecimento enciclopédico e, acima de tudo, independência", enumerou. "E essa independência vem consagrada na Constituição Federal, por meio das garantias da magistratura, que não podem ser conjuradas, sob pena de atentado à democracia, sob pena de uma violação às garantias da magistratura garantidas na Constituição."

Bolsonaro resolveu pedir processo de impeachment contra Moraes em reação à prisão do ex-deputado e presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, seu aliado. Ele foi preso por ordem do ministro dentro do inquérito, em andamento no STF, sobre a atuação de milícias digitais. Além disso, o presidente não digeriu o fato de ter sido incluído, pelo magistrado, no inquérito das fake news.

Fux também defendeu as investigações iniciadas pelo STF "de ofício", sem a provocação da Procuradoria-Geral da República (PGR). "Se tem uma operação para invadir o STF, vamos esperar? Não. vamos agir imediatamente e, a posteriori, enviar os autos para o Ministério Público, como foi com o das fake news", explicou. Bolsonaro tentou impedir que a Corte pudesse tomar decisões "de ofício". Ele entrou com uma ação contra o artigo 43, do regimento interno do tribunal, que permite a medida, mas o ministro Edson Fachin arquivou o pedido do chefe do Planalto na última quarta-feira.