Correio Braziliense, n. 20603, 20/10/2019. Política, p. 5

Divergência sobre veto

Deborah Fortuna


A decisão do presidente Jair Bolsonaro de vetar, na semana passada, a obrigatoriedade de profissionais de saúde comunicarem à polícia, em até 24 horas, sinais de violência contra a mulher dividiu a opinião de defensores dos direitos da mulher. Há quem defenda a obrigação da denúncia, mas muitos grupos, inclusive de feministas, concordam com o veto de Bolsonaro e fazem campanha para que o Congresso não o derrube.

De iniciativa da deputada federal Renata Abreu (Podemos-SP), o projeto altera a Lei Maria da Penha — atualmente, a legislação obriga a rede de saúde a notificar os casos apenas para fins estatísticos e não há prazo para que isso ocorra. Após ser aprovada na Câmara e no Senado, a medida que torna a denúncia à polícia obrigatória seguiu para sanção do presidente, que, no entanto, decidiu pelo veto por considerar que a proposta “contraria o interesse público”.

“O sigilo é fundamental para garantir o atendimento à saúde sem preocupações com futuras retaliações do agressor, especialmente quando ambos ainda habitam o mesmo lar ou ainda não romperam a relação de afeto ou dependência”, justificou o Planalto.

O argumento do Executivo não convenceu Renata Abreu. “(O veto) é um duro golpe na luta contra a violência à mulher, que coloca o Brasil entre os países mais violentos do mundo”, criticou. Para a parlamentar, quanto mais rapidamente a polícia tomar conhecimento das agressões, mais eficazmente poderá mapear a área do crime ou localizar o agressor.

“A polícia teria condições de não só mapear a região para fins de estatística como também para a elaboração de um plano de ações preventivas”, argumentou. “Com o prazo de 24 horas para que os profissionais comuniquem à polícia, estaríamos dando um passo a mais para o fim da subnotificação, que mascara a cruel realidade da violência contra a mulher no Brasil”, acrescentou.

O veto também foi criticado pela ex-deputada e candidata à vice-presidência em 2018 Manuela D’Ávila (PCdoB-RS). “No Dia Nacional de Luta contra a Violência à mulher, Bolsonaro vetou PL que obrigava hospitais a notificar suspeitas de violência contra a mulher em até 24h. Segundo o governo, o projeto ‘contraria o interesse público’. No primeiro semestre de 2019, os casos de feminicídio aumentaram em 44%”, escreveu no Twitter.

No entanto, a posição de Abreu e D’Ávila não é consenso entre os grupos de defesa da mulher. Há quem acredite que o projeto possa, na verdade, fazer com que muitas mulheres deixem de procurar atendimento médico quando forem alvo de violência doméstica. “Pode-se criar mais uma barreira para que a mulher se sinta à vontade e protegida no serviço de saúde. Além de que passa por cima da decisão dela”, argumentou Maria Raquel Gomes Maia Pires, doutora em política social e pesquisadora da área de política de saúde, gênero e violência contra a mulher.

Segundo a especialista, é necessário, primeiramente, criar uma rede de proteção e acolhimento à vítima. O papel do Estado, para a especialista, deve ser o de oferecer condições para que ela se sinta segura para fazer uma futura denúncia.

“O profissional deve criar um ambiente de proteção para que a mulher se fortaleça e se sinta segura para fazer a denúncia. Em alguns casos, a violência é complexa. Pode haver relação de dependência, afeto, vulnerabilidade, medo. Há todo um contexto. (O projeto) pode ser um tiro pela culatra”, alertou.

“O profissional deve criar um ambiente de proteção para que a mulher se fortaleça e se sinta segura para fazer a denúncia. Em alguns casos, a violência é complexa. Pode haver relação de dependência, afeto, vulnerabilidade, medo. Há todo um contexto. (O projeto) pode ser um tiro pela culatra”

Maria Raquel Pires, doutora em política social