Correio Braziliense, n. 20601, 18/10/2019. Política, p. 2

Se eles tiverem razão, o mundo está errado

Plácido Fernandes Vieira


Há uma gritante contradição entre o notório saber jurídico de meia dúzia de ministros ditos garantistas do STF e de juristas de, praticamente, todo o planeta. Um exemplo disso, citado pelo fórum que reúne juízes criminais brasileiros, são os 153 países que integram a Organização das Nações Unidas (ONU). Em todos eles, alertaram os magistrados em nota, condenados cumprem pena após condenação em primeira ou segunda instância. O problema, dirão alguns, é que a Constituição Federal, no inciso LVII do artigo 5º, estabelece que a presunção de inocência de um réu só acaba quando esgotado o último recurso no Supremo. No mesmo artigo 5º, mais adiante, o inciso que trata especificamente de prisão, o LXI, aponta em sentido oposto ao que entendem as sumidades. Vamos aos fatos.

Basta saber ler para compreender o que diz o inciso LXI: “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. Simplificando: só se pode prender uma pessoa no caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de uma juíza ou juiz. Prestem bem atenção: não fala em esperar recurso ao STF para determinar a prisão. Agora, voltando ao “entendimento” dos supremos garantistas: que trecho da Constituição estabeleceria a presunção de inocência até o último recurso no STF? Eles alegam que está no inciso LVII. Será?

Vejam o que dispõe o inciso LVII: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Para os tais garantistas estarem certos, o inciso LXI teria de ser declarado inconstitucional. Mas o fato é que eles estão errados. Não há contradição na Constituição. Como assim? Explico: é que nem o STJ nem o STF julgam crimes cometidos por pessoas sem foro privilegiado. Logo, o trânsito em julgado de ações penais desse tipo de réu se esgotam na segunda instância. É assim no mundo inteiro. Em todos os países da ONU. E é isso que está na nossa Constituição. E no Brasil sempre foi assim, com exceção de um breve momento, entre 2009 e 2016, em que sinto até vergonha de contar. Mas vamos à história.

Dez anos atrás, o STF mudou a jurisprudência ao analisar o caso de um fazendeiro rico que deu cinco tiros num homem que, supostamente, estava “cantando” a mulher dele, no meio de um evento agropecuário no interior de Minas. Resultado: o fazendeiro ficou impune. O período de “exceção jurídica”, felizmente, durou pouco. Em 2016, o então ministro Teori Zavascki explicitou o absurdo da situação e convenceu colegas do STF a reconduzirem o Brasil ao rol dos países civilizados. Mas, no meio do caminho, condenaram e prenderam Lula... Sim, é isso: nessa celeuma toda não existe nenhuma sapiência jurídica inalcançável a reles mortais. O objetivo é um só: destruir a tal da Lava-Jato, aquela operação de combate ao crime que ousou prender bandidos de colarinho branco.