Correio Braziliense, n. 20600, 17/10/2019. Mundo, p. 14

Caos em Barcelona

Rodrigo Craveiro


Os rolos de papel higiênico lançados ao céu salpicaram de branco a imensa massa humana, no cruzamento da Gran Via de les Corts Catalanes com a Carrer de la Marina, no centro de Barcelona. O terceiro dia de protestos contra sentenças impostas pelo Tribunal Supremo de Madri a 12 líderes secessionistas da Catalunha foi convocado pelos chamados Comitês de Defesa da República (CDR) sob o lema “Temos muita m... para limpar”. Poucas horas depois, as ruas da cidade de 1,9 milhão de habitantes se transformaram no palco de uma batalha campal. Até o fechamento desta edição, 10 carros tinham sido incendidados pelos manifestantes, que também atearam fogo a barricadas improvisadas com contêineres de lixo e lançaram pedras, coquetéis molotov e ácido, contra os agentes da Mossos d’Esquadra, a polícia autônoma da Catalunha.

Enquanto as forças de segurança lutavam para conter o caos em Barcelona, a 620km dali, em Madri, o primeiro-ministro da Espanha fazia um chamamento à serenidade. “O governo da Espanha garantirá os direitos de todos na Catalunha, respeitando o Estado de direito. Com firmeza, moderação e unidade. Estou convencido de que superaremos esses episódios de violência”, declarou Pedro Sánchez. “Temos que ser firmes, mas proporcionais na resposta. (…) Estou convencido de que, apesar das imagens dramáticas dos últimos dias e das últimas horas, a tranquilidade será restabelecida na Catalunha”, acrescentou.

Condenado a 13 anos de prisão pelo Tribunal Supremo, na última segunda-feira, Orio Junqueras — ex-vice-presidente da Catalunha — publicou uma mensagem no Twitter por meio da qual condenava a violência. “Este país é o resultado de lutas sociais, uma nação que custa muito para construir e costurar. Precisamos da república e de todos. Precisamos nos mobilizar, mas rejeitar a violência, de onde ela vier. Não nos dividirão nem nos farão cair na armadilha da violência, escreveu.”

Em entrevista coletiva no fim da noite, o presidente da Catalunha, Quim Torra, pediu pelo fim imediato da violência. “Não podemos aceitar que poucos, que não nos representam, rompam o caminho seguido pelo independentismo. (…) Não podemos permitir que grupos de infiltrados e provocadores destruam a imagem do independentismo, não podemos cair em uma armadilha. (…) Não há justificativa nem para queimar carros nem para nenhum ato de vandalismo. O protesto tem de ser sempre pacífico”, declarou.

“Tiro no pé”

Professor do Departamento de Ciência Política, Direito Constitucional e Filosofia do Direito da Universitat de Barcelona, Cesareo Rodriguez-Aguilera afirmou ao Correio que o independentismo  catalão está dando um tiro no próprio pé. “Há uma faixa eleitoral de centro-direita do movimento que não seguirá o rumo da violência, fazendo com que o independentismo perca apoios”, advertiu. “Os grupos ativistas mais fanáticos começaram a agir com a intenção de desestabilizar.” Cesareo admite que as penas de 9 a 13 anos aos líderes secessionistas são severas, mas crê em benefícios de semiliberdade em breve.

Morador de Manrresa, a 60km de Barcelona, o engenheiro de software Moisès Trullàs Parrot, 52 anos, explicou que os catalães estão indignados e alterados, por considerarem a sentença uma agressão. “O independentismo estava um pouco dividido, e isso parece que está o unindo novamente. Suspeito que estejam dando origem a mais secessionistas”, disse à reportagem. Ele destaca, no entanto, que 99,9% dos independentistas defendem uma luta pacífica. “Espero de Madri qualquer ação, menos o diálogo e a negociação. Por isso, mentem, afirmando que somos todos violentos. Acho que haverá mais ações policiais, sanções políticas e prisões sem motivos. Enfim, mais repressão, mais castigo e um retrocesso à ditadura de Francisco Franco”, lamentou Parrot.

Sob condição de não ter o sobrenome revelado, Jaume, 38 anos, recepcionista de hotel em Terrasa, a 40km de Barcelona, disse desconfiar de ação orquestrada. “A intenção foi ganhar repercussão internacional depois das sentenças. Sem apoio, não podem obter a independência”, comentou. “Manifestar-se é um direito fundamental, incendiar coisas e enfrentar a polícia, não.”