O Estado de São Paulo, n. 46545, 25/03/2021. Política. p.A10

'O Brasil não pode destruir o combate à corrupção', diz Moro

 

 

Ex-juiz da Lava Jato afirma ter 'absoluta tranquilidade' sobre as decisões tomadas nos casos envolvendo Lula e nega parcialidade

O ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro disse ontem ter "absoluta tranquilidade" sobre as decisões tomadas por ele nos processos envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e defendeu o legado da operação no combate à corrupção. "O Brasil não pode retroceder e destruir o passado recente de combate à corrupção e à impunidade e pelo qual foi elogiado internacionalmente", afirmou Moro, em nota pública.

Moro se manifestou após a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido, anteontem, que ele foi parcial ao condenar Lula no caso do triplex do Guarujá (SP), em uma das maiores derrotas da história da Lava Jato. Com o resultado do julgamento no colegiado, a ação do triplex terá de voltar à estaca zero e as decisões do então juiz relativas ao processo serão anuladas.

"Todos os acusados foram tratados nos processos e julgamentos com o devido respeito, com imparcialidade e sem qualquer animosidade da minha parte, como juiz do caso", afirmou Moro. Ainda de acordo com ele, suas decisões foram "todas fundamentadas".

A nota destaca, ainda, que a condenação de Lula na ação do triplex foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), e que ambas as instâncias rejeitaram as alegações da defesa do petista sobre a falta de imparcialidade de sua parte. A sentença de Moro, de julho de 2017, foi mantida pelo TRF-4 em janeiro de 2018. Em abril de 2019, a Quinta Turma do STJ confirmou, por unanimidade, a condenação do ex-presidente pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e fixou a pena em 8 anos e 10 meses de reclusão.

Na avaliação de Moro, a Lava Jato foi "um marco no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro no Brasil e, de certo modo, em outros países, especialmente da América Latina, colocando fim à generalizada impunidade destes crimes". "Mais de R$ 4 bilhões pagos em subornos foram recuperados aos cofres públicos e quase duas centenas de pessoas foram condenadas por corrupção e lavagem de dinheiro", diz o comunicado assinado pelo ex-juiz.

"A preocupação deve ser com o presente e com o futuro para aprimorar os mecanismos de prevenção e combate à corrupção e com isto construir um país melhor e mais justo para todos", prossegue a nota. "Apesar da decisão da Segunda Turma do STF, tenho absoluta tranquilidade em relação aos acertos das minhas decisões, nos processos judiciais, inclusive quanto aqueles que tinham como acusado o ex-presidente", declarou Moro.

O ex-juiz também disse que Lula só teve a prisão ordenada pelo TRF-4, em 2018, "após ter habeas corpus denegado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF)".

Julgamento. Anteontem, os ministros da Segunda Turma do Supremo consideraram, por três votos a dois, que houve quebra da imparcialidade por parte de Moro no processo de Lula. O julgamento foi marcado pelo voto – favorável ao ex-juiz – do ministro Kassio Nunes Marques, duramente criticado pelo colega Gilmar Mendes, e a mudança de lado da ministra Cármen Lúcia, que votou pela suspeição do ex-magistrado.

O resultado reforçou o argumento da defesa de Lula de que ele foi vítima de perseguição do então juiz. Desde que o relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin, anulou as condenações do ex-presidente na operação, o petista não é mais fichasuja. Com isso, pode ser candidato à Presidência, em 2022. Agora, o plenário do Supremo deve julgar, até o início de abril, se mantém ou não a decisão que tornou Lula elegível.

O receio de investigadores e também de Fachin, agora, é de que a declaração da suspeição de Moro provoque efeito cascata, contaminando outros processos que tiveram atuação do ex-juiz. / RAYSSA MOTTA, FAUSTO MACEDO, PEPITA ORTEGA e PAULO ROBERTO NETTO

'Respeito'

"Todos os acusados foram tratados com o devido respeito, com imparcialidade e sem qualquer animosidade da minha parte."

Sérgio Moro

EX-JUIZ DA LAVA JATO

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

PGR e Fachin veem chance de caso ir a plenário

Rafael Moraes Moura

A Procuradoria-geral da República e o relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, veem espaço para a Corte revisitar o tema da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro na ação do triplex do Guarujá (SP). Isso porque o plenário do STF deve decidir, na primeira quinzena de abril, se confirma a anulação – determinada por Fachin – das condenações impostas na Lava Jato ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Com a decisão de Fachin passando pelo crivo dos 11 integrantes da Corte, os ministros vão avaliar todos os pontos levantados pelo colega: a anulação das condenações, o envio dos casos à Justiça Federal no DF e o arquivamento da suspeição de Moro.

Quatro ministros do STF, ouvidos reservadamente, avaliaram que a tendência do plenário é confirmar a anulação dos processos de Lula. Já o arquivamento da suspeição de Moro enfrenta mais resistência.

Na análise do habeas corpus de Lula contra o ex-juiz, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Nunes Marques e Cármen Lúcia votaram pela continuidade do julgamento na Segunda Turma, apesar da decisão de Fachin para arquivar o caso. No plenário, os quatro devem manter a posição contra o arquivamento. A expectativa é de que pelo menos mais dois ministros acompanhem o grupo nesse ponto. Se esse cenário se confirmar, o plenário evitaria uma reviravolta na situação de Moro, curvando-se ao entendimento da Segunda Turma que considerou o ex-juiz parcial.

No recurso em que contesta a decisão de Fachin, a PGR pede que o Supremo reconheça que os casos de Lula devem permanecer em Curitiba e que as condenações do petista sejam mantidas. Caso o Supremo não atenda a esse pedido, a PGR solicita que o tribunal confirme a validade de todos os atos já tomados nas ações contra Lula, inclusive os de Moro, ou ainda para que as investigações sejam enviadas à Justiça Federal em São Paulo.