Correio Braziliense, n.20741, 06/03/2020. Política. p.3

Perigo da bolada em ano eleitoral

Rosana Hessel 


O acordo entre Executivo e Legislativo para a manutenção parcial do veto presidencial sobre o Orçamento Impositivo deixou técnicos confusos a respeito dos números anunciados e os que constavam nos três projetos de lei (PLNs) que o Palácio do Planalto encaminhou ao Congresso como moeda de troca.

Apesar de o veto 52, que devolvia ao Executivo a prioridade na escolha das prioridades de R$ 30,1 bilhões de despesas não obrigatórias, os PLNs acabaram devolvendo ao relator a maior parte desses recursos. Os números não batem, mas o consenso é de que o governo ainda saiu perdendo nessa brincadeira e não se sabe exatamente qual foi o acordo firmado.

Pelos cálculos do economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Contas Abertas, por exemplo, os PLNs devolvem ao Legislativo R$ 19,7 bilhões, de um montante de R$ 30,8 bilhões, incluindo R$ 700 milhões de emendas das comissões. Do total que voltará ao Congresso, segundo ele, R$ 6 bilhões estão condicionados à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, R$ 11,5 bilhões são de gorduras do Orçamento e dividendos de estatais e R$ 1,8 bilhão, de emendas já executadas. O governo, com isso, recebeu de volta para arbitrar R$ 9,6 bilhões, além de ter direito a uma reserva financeira de R$ 1,5 bilhão, totalizando R$ 11,1 bilhões.

Na avaliação do especialista em contas públicas, esse acordo feito às pressas merece mais críticas do que elogios, pois dá uma boa bolada para os parlamentares fazerem o que quiserem em um ano de eleição. “Estou vendo um retrocesso nesse acordo, porque estão atropelando a concepção e o planejamento orçamentário”, resumiu. “Na minha opinião, ficaram indevidamente atreladas à discussão do Orçamento Impositivo (e da autonomia do Congresso) com a personificação e a fulanização do Orçamento. Os recursos públicos, frutos dos impostos, taxas e contribuições pagos pelos cidadãos, têm de ser alocados com critérios, com base nas políticas públicas. De uma hora para outra, não por acaso em um ano eleitoral, acorda-se que R$ 19,7 bilhões serão distribuídos sabe-se lá como”, lamentou.

Para Castello Branco, é preciso uma discussão mais séria sobre o Orçamento Impositivo. “A fulanização do Orçamento, sobretudo em um ano eleitoral, é promíscua”, criticou.

Em um dos PLNs enviados esta semana ao Congresso, o governo aumentou de um rombo de até R$ 124,1 bilhões para R$ 127,9 bilhões a meta fiscal prevista na LDO que ainda precisará ser ajustada pela receita. Pelos cálculos do economista Gabriel Leal de Barros, do BTG Pactual, diante da desaceleração da economia, o Executivo terá um desafio enorme para conseguir cumprir esse objetivo piorado, pois a cada 1 ponto percentual de perda no PIB, serão necessários R$ 14,6 bilhões, em média, de receitas extraordinárias para cumprir a meta. “O impacto do novo coronavírus na economia global deve ampliar a dependência do governo nas receitas não recorrentes”, pontuou.