O Estado de São Paulo, n. 46547, 27/03/2021. Política. p.A4

Procuradores da Lava Jato temem inquérito do STJ

Investigação. Nomes da força-tarefa em Curitiba receiam serem alvos até de ordens de prisão e vão ao STF para barrar procedimento aberto com base em mensagens hackeadas

Fausto Macedo

Paulo Roberto Netto

Pepita Ortega

Procuradores que atuaram na Lava Jato em Curitiba recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar barrar um inquérito aberto no Superior Tribunal Justiça (STJ) que mira a conduta de integrantes da força-tarefa da operação. Acuados por essa investigação, eles afirmaram ao Estadão que temem ser alvo de mandados de buscas e até de ordens de prisão, e articulam uma ofensiva no Supremo para se proteger.

Após a ministra do STF Rosa Weber negar, na terça-feira, uma liminar para trancar a investigação que tramita no STJ, procuradores apresentaram ontem um pedido de reconsideração no qual destacam a intenção do presidente da Corte, ministro Humberto Martins, de autorizar diligências contra integrantes da força-tarefa. A ministra é relatora de dois habeas corpus que pedem a suspensão da investigação. O Ministério Público Federal (MPF) também se manifestou pelo trancamento da investigação.

Aberto em 19 fevereiro “de ofício”, por determinação de Martins, o inquérito sigiloso apura se a Lava Jato tentou intimidar e investigar ilegalmente ministros do tribunal – entre eles, o próprio presidente da Corte e seu filho, que é advogado.

Na semana passada, Martins negou acesso aos autos do inquérito à Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), sob a justificativa de que a medida prejudicaria “futuras diligências sigilosas” na investigação. De acordo com Martins, o inquérito, até o momento, contém apenas documentos de outros processos, como os diálogos hackeados atribuídos aos procuradores da República.

Para a ANPR, o presidente do STJ renunciou “a qualquer disfarce ao constrangimento ilegal” ao barrar o acesso aos autos e “confessou” a intenção de mirar a força-tarefa da Lava Jato. Ao Estadão, o presidente da associação, George Cruz da Nóbrega, afirmou que o inquérito é um “rosário de ilegalidades” e que diligências autorizadas com base em provas obtidas de forma ilícita serão questionadas na Justiça.

“Se o MPF não utilizará essa prova, se ela não serve (para o inquérito), ela serviria para constranger? Essa é a ideia contida na investigação?”, questionou. “Nunca vimos em nenhum momento da história a utilização dessas provas ilícitas, mensagens hackeadas, para fins de investigação, fiscalização e persecução”, disse Nóbrega.

Anteontem, os advogados Marcelo Knopfelmacher e Felipe Locke Cavalcanti, que defendem procuradores que atuaram na Lava Jato, se manifestaram em nota publicada nas redes sociais, destacando os números do que chamam de “maior e mais eficaz iniciativa integrada de combate à corrupção na história do Brasil”.

Mensagens. A investigação contra os procuradores tem como base mensagens hackeadas e apreendidas na Operação Spoofing. Em uma das conversas que foram divulgadas, o então coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, procurador Deltan Dallagnol, diz que a Receita Federal “pode fazer uma análise patrimonial” de ministros do STJ.

“Basta estar em EPROC (processo judicial eletrônico) público. Combinamos com a RF (Receita Federal)”, escreveu Deltan para, em seguida, emendar: “Furacão 2”. “Furacão 2” seria uma referência à Operação Furacão, deflagrada em abril de 2007 e que atingiu o então ministro do STJ Paulo Medina, denunciado por integrar um esquema de venda de sentenças judiciais.

As mensagens hackeadas e atribuídas a integrantes da força-tarefa foram tornadas públicas depois que a defesa do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu autorização do Supremo para acessar o acervo da Operação Spoofing. A origem ilícita das conversas é um dos pontos questionados nos habeas corpus impetrados no STF contra a investigação.

‘Vícios’. O inquérito também foi atacado pelo Ministério Público Federal. O procurador-geral da República, Augusto Aras, se comprometeu a comandar uma ofensiva jurídica contra as apurações. A PGR se manifestou ao Supremo nesta semana e renovou pedido de trancamento da investigação.

À Corte, o subprocurador-geral da República José Adonis Callou de Araújo Sá alega que o inquérito sigiloso está carregado de “vícios” que tornam “flagrantemente ilegal e abusiva a atividade persecutória”. Em sua avaliação, por ter sido instaurada de ofício pelo presidente do STJ, a investigação viola o sistema acusatório e as prerrogativas dos membros do Ministério Público Federal.

Procurado via assessoria de imprensa do STJ, o gabinete do ministro Humberto Martins informou que não se manifesta sobre processo que corre em segredo de Justiça. Em recente manifestação à ministra Rosa Weber, Martins apontou indícios de “excessos funcionais por parte do Ministério Público Federal”. Afirmou, ainda, que, por “dever institucional de autodefesa” do Poder Judiciário, o uso das mensagens hackeadas deve ser válido. “Não subsistirão direitos fundamentais e garantias constitucionais sem a preservação do Poder Judiciário independente”, sustentou o presidente do STJ.

INVESTIGAÇÃO

1.  Operação Spoofing. Mensagens hackeadas e atribuídas a procuradores da Lava Jato mostram a intenção de investigar, sem autorização, ministros do STJ. Em ofício à Corte e à PGR, Deltan Dallagnol nega.

2. Corregedoria. Presidente do STJ, Humberto Martins pede a Augusto Aras que abra apuração criminal e administrativa contra procuradores. Pedido é enviado à Corregedoria do “Conselhão” do MP.

3. Inquérito. Em fevereiro, Martins determina a abertura de inquérito para apurar suposta tentativa de investigação ilegal de ministros da Corte pela Lava Jato.

4. Supremo. PGR pede ao STF que inquérito seja trancado – alega que, por ter sido instaurada de ofício por Martins a partir de mensagens hackeadas, apuração viola sistema acusatório e admite uso de provas ilícitas. Rosa Weber nega o pedido.

5. ‘Autodefesa’. Em manifestação a Rosa Weber, Martins alega “autodefesa” do Judiciário para justificar o uso das mensagens hackeadas na investigação.

 

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TJ-SP restitui valor pago por Marisa em imóvel no Guarujá

 

 

Os desembargadores da 8.ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo determinaram que a empreiteira OAS e a Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) devolvam integralmente os valores pagos pela ex-primeira-dama Marisa Letícia na compra de um apartamento no Guarujá. Os magistrados entenderam que a ex-mulher do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desistiu do imóvel e, em razão do atraso nas obras, deveria receber a íntegra das parcelas que pegou pelo apartamento.

O imóvel ficava no condomínio Mar Cantábrico, cuja construção foi iniciada pela Bancoop. O empreendimento foi assumido pela OAS e mudou de nome para Solaris. O triplex 164-A do condomínio foi o pivô da primeira condenação de Lula na Operação Lava Jato – anulada por decisões do Supremo Tribunal Federal. A investigação voltou à estaca zero.

A decisão foi proferida em julgamento realizado na quartafeira passada. A desembargadora Mônica de Carvalho, relatora dos recursos apresentados ao TJ-SP, apontou que todos os valores devem ser devolvidos, já que Marisa e seus sucessores “não usufruirão o bem”, indicando ainda que não há provas de que ela “tivesse recebido a posse do imóvel ou de que ele tivesse sido disponibilizado em seu favor”.

“As provas acostadas a estes autos não trazem a mínima possibilidade de afirmação de que o casal tivesse, em algum momento, recebido a posse ou propriedade de um imóvel nas condições descritas na peça inicial. A questão jurídica, portanto, é muito simples: se a autora adquiriu direitos sobre um imóvel que não lhe foi entregue, deve receber in totum a devolução das quantias pagas.” / P.O. e F.M.