O Estado de São Paulo, n. 46548, 28/03/2021. Poítica. p.A7

Em cinco anos, Lei Antiterrorismo condenou 11 réus

Tulio Kruse

Em vigor há cinco anos, a Lei Antiterrorismo pouco tem sido utilizada em investigações da Polícia Federal e resultou na condenação de 11 pessoas. Nas maiores operações contra supostos terroristas no País houve casos em que a Justiça recusou as acusações e de suspeitos que, após prisões preventivas, não foram processados. Nas últimas semanas, porém, o governo se movimentou para reabrir a discussão de um projeto que pode ampliar o alcance das ações de contraterrorismo.

Levantamento do Estadão com base em dados dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e procuradorias regionais chegou a apenas quatro sentenças condenatórias pelo crime no País – uma delas anulada posteriormente – com um total de 11 réus condenados (mais informações nesta página).

Há ações penais sob sigilo, mas sem indicação de que teriam resultado em condenação.

Desde que a Lei Antiterrorismo entrou em vigor, foram abertos 63 inquéritos para investigar suspeitas desse tipo. A média é de uma investigação iniciada por mês, um volume abaixo da produção da PF em outras áreas. Só no ano de 2020, a corporação abriu 490 inquéritos contra supostas organizações criminosas e 1.032 por suspeitas de peculato, como mostrou o Estadão na semana passada.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), autorizou a criação de uma comissão especial para debater a regulamentação do combate ao terrorismo no País. O texto original foi elaborado em 2016 pelo major Vitor Hugo (PSL-GO) – que à época era consultor legislativo da Casa – e apresentado pelo então deputado Jair Bolsonaro, mas foi arquivado. Em 2019, eleito deputado, Vitor Hugo fez alterações no texto e o apresentou de novo, com aval do presidente. A proposta não havia avançado até a autorização de Lira para criar a comissão.

O projeto sugere novos mecanismos para prevenção de atos terroristas, prevê situações para a “infiltração” de agentes em grupos suspeitos, o acesso a dados de navegação na internet e à localização geográfica de celulares, e cria uma Autoridade Nacional Contraterrorista.

O texto diz que a lei pode ser aplicada para reprimir não apenas atos tipificados como terrorismo, mas situação que “aparente ter a intenção de intimidar ou coagir a população civil ou de afetar a definição de políticas públicas por meio de intimidação, coerção, destruição em massa, assassinatos, sequestros ou qualquer outra forma de violência”.

O deputado disse que a intenção não é usar o aparato policial para perseguir movimentos sociais. “Não estamos criando um novo tipo de terrorismo”, afirmou Vitor Hugo. “Estamos dizendo que a mesma estrutura de prevenção e combate voltada para o terrorismo também vai se voltar para atos que, embora a lei não considere terrorismo, possam tirar vidas com o objetivo de interferir na definição de políticas públicas.”

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), no entanto, defendeu em 2018, em entrevista ao Estadão, a tipificação de atos do MST como terrorismo. “Eles impõem o terror para ganhar um benefício. Se fosse necessário prender 100 mil pessoas, qual o problema nisso?”, disse o parlamentar na ocasião.

 

‘Inoportuna’. A proposta foi alvo de críticas de associações e federações que representam policiais civis, militares e federais. Em carta aberta divulgada nesta semana, dez entidades dizem que o projeto apresenta “sérias inconstitucionalidades”.

Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima considerou a comissão especial “inoportuna”. “As polícias já têm base legal e normativa criada para diálogo e cooperação entre diferentes esferas.” Ele afirmou que a Lei Antiterrorismo foi aprovada em meio à pressão internacional para que o País tipificasse o crime e pudesse implementar a legislação na segurança da Olimpíada, o que, para ele, criou distorções. “(A lei) É pouco eficiente em coibir riscos e criar contingências para que a se investiguem atentados efetivos, ou prevenir que aconteçam.”

A Operação Hashtag, primeira investigação aberta com base na Lei Antiterrorismo, foi também o caso que terminou com o maior número de condenados. Oito pessoas foram consideradas culpadas por promover o Estado Islâmico nas redes sociais. As penas foram de 5 a 15 anos de prisão. Além deles, um suspeito da Hashtag foi condenado na Justiça Federal em Goiás, após o processo ser desmembrado. Outras duas condenações ocorreram em instâncias estaduais.

A reportagem ouviu um delegado da PF que chefiou a Divisão Antiterrorismo e pediu para não ser identificado por questões de segurança. Para ele, a baixa produção de inquéritos ocorre, entre outros motivos, pela diminuição de casos de terrorismo no mundo desde que a lei foi aprovada. Questionado sobre a quantidade pequena de sentenças, o Ministério Público Federal não se manifestou.