Título: Reformar para melhorar a universidade
Autor: Jorge Almeida Guimarães e Renato Janine Ribeiro
Fonte: Jornal do Brasil, 05/04/2005, Outras Opiniões, p. A9

Uma das críticas freqüentes ao anteprojeto de reforma da educação superior é que o Ministério da Educação (MEC) estaria construindo a casa a partir do telhado: a prioridade do país é a educação básica, mas o projeto trata do ensino superior. Concordamos com a prioridade, mas não com a crítica. A verdade é que o melhor nível de educação no Brasil é o da pós-graduação, e isto se deve a ser avaliado com rigor, há quase trinta anos, pela comunidade científica reunida na Capes. O segredo da qualidade está na avaliação. Não há prioridade como algo abstrato, sem esforços. Para reforçar a prioridade na educação elementar, será preciso seu acompanhamento rigoroso, realizado pelo poder público, baseado na competência do mundo acadêmico. É o único meio.

Sabidamente, a própria educação básica depende do nível superior. É ele que forma os professores que ensinarão às crianças e adolescentes. Ora, a qualidade do ensino fundamental e médio deixa muito a desejar no Brasil. Esta é uma das diferenças entre nós e os países que, saindo de patamar às vezes inferior ao nosso, como na Ásia, conseguiram significativo avanço econômico e social nos últimos anos.

Tomando por base a reação veemente contra a reforma, pode parecer aos desavisados que nosso ensino tem nível de excelência. Sabemos que não é nada disso. Exames como o PISA ou o PNUD/Unesco, que aferem a qualidade do ensino de matemática e ciências, apontam sempre um desempenho desastroso para o Brasil, colocando-nos nas últimas posições entre os países comparados. Ora, a matemática é a linguagem por excelência da ciência. Sem conhecê-la, como faremos pesquisa? Como o conhecimento se tornará prática e ação? Como avançaremos nas áreas tecnológicas?

A situação das Humanidades não é melhor. Aqui os termos de comparação não são fáceis, porque língua, história e geografia variam conforme os países. Contudo, a formação é perigosamente deficiente, centrada sobretudo no processo informativo, com mais memorização que reflexão.

Esse é um dos grandes problemas de nossa educação. Em São Paulo, a participação das universidades estaduais na formação de professores do ensino fundamental e médio é pequena. A maior parte deles provém de faculdades menores, pagas ¿ e mais fracas. Com isso, é difícil melhorar o ensino básico.

Evidentemente, essa melhora depende de melhores salários, pagos pelos estados e municípios, incumbidos constitucionalmente desse nível de educação. Mas não bastam salários. É preciso melhor preparação para ministrar o ensino formativo. E onde se dará essa formação, se não for no ensino superior? Uma das chaves para melhorar a educação das crianças e adolescentes e conseqüentemente melhor explorar suas vocações está num ensino superior que forme bons professores. Este é um ponto a considerar na reforma universitária.

Como os piores cursos da graduação estão em estabelecimentos privados (e dizemos isso tranqüilos, porque nós, que na Capes avaliamos a pós-graduação, não temos prevenção contra o ensino privado de qualidade), obviamente se torna necessário regular a educação brasileira. É o ¿marco regulatório¿ que o anteprojeto propõe para o ensino.

A regulação tem um pilar principal: a avaliação. Para um curso médio ou fraco, impõem-se certas medidas. Avisar a população é importante, mas não é tudo. Também há que recuperar ¿ ou mesmo descredenciar ¿ cursos ruins. Aqui não há diferença entre o que o poder regulador e avaliador devem fazer, sejam os estabelecimentos públicos ou privados. Devem ser examinados com rigor, porque está em jogo o futuro dos jovens brasileiros. Um mau ensino tem custo muito alto, que é pago ao longo da vida inteira.

Precisamos mudar o foco das discussões. O projeto dá autonomia às instituições de ensino, obriga seus conselhos superiores a terem doutores, submete as faculdades a avaliações de desempenho. Nada disso fará as instituições privadas ou públicas perderem qualidade, quando a têm. Queremos também aumentar a titulação de seus corpos docentes. É desejável que em alguns anos cresça muito, nas universidades e centros universitários, o número de docentes com doutorado e mestrado, bem qualificados, que a pós-graduação vem formando crescentemente.

Tudo isso só poderá melhorar a qualidade da educação como um todo.

*Jorge Guimarães é presidente e Renato Janine Ribeiro é diretor de Avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)