Título: Testemunhas na mira de assassinos
Autor: Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 05/04/2005, Rio, p. A15
Moradores de Queimados começam a abandonar suas casas por causa de ameaças dos matadores
Com medo de serem mortas, 18 testemunhas da chacina da Baixada Fluminense deixaram ontem suas casas em Queimados. Os quatro adultos e 14 menores, com idades entre quatro e 16 anos, pediram proteção à Comissão de Direitos Humanos da Alerj. As testemunhas estão sendo intimidadas por meio de recados transmitidos pelo telefone e pessoalmente. A ordem é deixar o bairro. Elas teriam sido avisadas três dias antes da matança que um fato grave ocorreria no local. Na noite de ontem, as testemunhas prestaram depoimento à Polícia Civil. Em relatos ao presidente da Comissão de Direitos Humanos, Geraldo Moreira, as testemunhas do assassinato dos cinco homens, na Rua Carlos Sampaio, disseram ser capazes de reconhecer o assassino. De acordo com o deputado, dois adultos e várias crianças viram quando um dos assassinos voltou ao local, quarenta minutos depois do crime.
- Elas disseram que assassino chegou num Gol prata sem placa e usava a mesma camisa de quando foi visto em pé na porta do carro - informou o deputado.
As testemunhas contaram ainda que viram o assassino discutindo com o policial militar fardado, que acompanhava a ocorrência na noite de quinta-feira. Elas afirmam que têm condições de fazer o retrato falado do assassino.
- As pessoas que viram o crime supõem que os assassinos sejam policiais, por isso, não querem ser protegidas pela polícia - preocupa-se Moreira.
Na manhã de ontem, as testemunhas procuraram ajuda da Fundação para a Infância e a Adolescência (FIA), em Queimados, e foram levadas para a sede da instituição no Centro da cidade. Segundo Geraldo Moreira, elas serão incluídas no Programa de Proteção à Testemunha ligado à Secretaria Estadual de Direitos Humanos. O Ministério Público vai acompanhar o processo de proteção. No início da noite, os quatro adultos das 18 testemunhas prestaram depoimento para o chefe de Polícia Civil, delegado Àlvaro Lins, e para o titular da Delegacia de Homicídios, Carlos Henrique Machado.
- As testemunhas contaram que foram aconselhadas a saírem de Queimados porque correm risco de morte - disse Moreira, ressaltando que as testemunhas se recusam a citar os nomes dos intimidadores.
Segundo a irmã de uma das cinco vítimas da Rua Carlos Sampaio, os moradores do bairro estão apavorados.
- Meu filho de sete anos e outras crianças da rua não querem nem ir à escola com medo de tiroteio. À noite, a rua está deserta. Queremos a presença de carros da Polícia Militar, mas não os do batalhão da área - disse a irmã da vítima.
Desde a chacina em Nova Iguaçu e Queimados, até ontem à tarde, o Disque-denúncia recebeu 375 informações sobre o caso. Segundo o diretor da Polícia Técnica, Roger Ancellotti, nos próximos dois dias, deverá ficar pronto o exame de confronto balístico nas armas apreendidas com os policiais suspeitos de envolvimento na matança. Foram apreendidas seis pistolas calibre . 40, uma pistola 380 e uma escopeta. Os projéteis serão disparados numa câmara especial e comparados com as balas recolhidas nos 30 corpos.
- Serão analisados 18 projéteis intactos e vários fragmentos. Cada projétil que sai da arma deixa uma assinatura. Essas balas serão comparadas aos canos da armas - explica Ancellotti.
Consultora de Direitos Humanos, a advogada Cristina Leonardo preocupa-se com a rapidez das investigações policiais.
- Não adianta ter pressa para achar os culpados e dar uma resposta rápida à sociedade. Se não houver uma respaldo técnico com qualidade pericial, o Ministério Público não conseguirá a condenação dos réus - alerta a advogada.
Cristina Leonardo lembra que, durante a chacina de Vigário Geral, em 1993, as autoridades correram contra o tempo para achar os culpados e se esqueceram de detalhes importantes da investigação.
- Na época, os projéteis só foram retirados dos corpos na exumação, três anos depois do massacre - diz Cristina.
Em Nova Iguaçu, o prefeito Lindberg Farias anunciou que o Bar Caíque, na Rua Gama, na Cerâmica, onde nove pessoas foram executadas, será comprado pela prefeitura. O local da tragédia vai ser transformado numa mídiateca com 10 computadores e biblioteca infantil. O espaço, que deverá ser adaptado em até 20 dias, terá a presença de contadores de história. O prefeito também vai mudar o nome da Escola Presidente Médici, no mesmo bairro, para Douglas Brasil de Paula, o adolescente executado enquanto jogava fliperama. A escola ganhará piscina, biblioteca e será aberta, durante os fins de semana, à comunidade.
Lindberg também vai solicitar à Secretaria de Segurança Pública o envio de homens da Força Nacional para Nova Iguaçu.