Título: O garrote: tributos e juros
Autor: Adriano Benayon*
Fonte: Jornal do Brasil, 05/04/2005, Economia & Negócios, p. A20

Se se quiser reduzir a deterioração econômica e social no país, haverá que dar continuidade à reação que levou o governo a recuar, em parte, das exações tributárias incluídas na Medida Provisória 232 de 2004. Digo ¿em parte¿, porque a nova MP, que revogou medidas extorsivas contra profissionais, autônomos e pequenos empresários, mantém o risível reajuste de 10% na tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas (IRPF). O governo apresentou esse reajuste como um benefício aos contribuintes, justificador de compensações para o Fisco, afinal revogadas pelo próprio Executivo, ao perceber a impossibilidade da aprovação.

Parlamentares da base do governo chegaram a invocar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Falaram como se o reajuste implicasse despesa ou perda de receita tributária. Ora, a correção da tabela não significa reduzir alíquota do imposto, mas corrigir o valor da renda tributada em cada uma das alíquotas, a saber: zero; 15% e 27,5%.

De 1996 a 2004, os índices de preços elevaram-se em 165,3% (IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas) e em 192,8% (IPCA, do IBGE). Desde 1996, só houve um reajuste na tabela, de 17,5% (2001/2002).

É claro que a extorsão começou antes de 1996, e a defasagem na tabela do IR, só de 1996 a 2004, atingiu 125,8%, conforme o IGP-DI, e 64,1%, pelo IPCA. Que significa um reajuste de 10% senão lesar os contribuintes?

Na realidade, a defasagem da correção permite ao governo federal arrecadar ilegalmente bilhões de reais por ano, principalmente da escorchada classe média. Exemplos: 1) quem tem, por ano, rendimento médio mensal de R$ 2.115, paga a alíquota máxima (27,5%), como se rico fosse; 2) quem mal sobrevive com R$ 1.058, está sujeito à alíquota de 15%.

Como as deduções permitidas são ridiculamente baixas, uma pessoa com quatro dependentes (cônjuge e dois filhos) e, portanto, com renda familiar per capita de R$ 529, já se arrisca a sofrer a alíquota de 27,5% no IRPF. A de 15% pode atingir uma família com rendimento per capita de míseros R$ 265.

Se tivessem sido feitos os devidos reajustes para expurgar a taxação decorrente da inflação, só seria submetido à alíquota de 27,5% quem obtivesse rendimento médio mensal acima de R$ 4.775,00 (reajuste pelo IGP-DI) ou R$ 3.470,00 (pelo IPCA). No caso da alíquota de 15%, R$ 2.389,00 (IGP-DI) ou R$ 1.736,00 (IPCA).

O Fisco vem, pois, arrancando quantias fabulosas e crescentes a título de IRPF. A Constituição prescreve que os tributos sejam adequados à capacidade contributiva. Será que existe Estado de Direito onde as normas que protegem os cidadãos não são cumpridas?

Os novos aumentos de impostos, afinal repelidos à custa de muita mobilização da sociedade, foram usados para tirar do foco da discussão a inadmissível insuficiência do reajuste da tabela. Mais uma vez, foi empregada a mesma tática da estória em que, no quarto fechado onde puseram as vítimas de seqüestro e de falta de ar, são introduzidos vários porcos, para serem depois retirados alguns deles, a fim de causar nos torturados a sensação de que a situação melhorou.

Tudo isso para que o Tesouro Nacional pague juros absurdamente excessivos. Primeiro, há o absurdo de ter sido feita grande parte da dívida pública sem necessidade alguma, já que o Tesouro tem tido R$ 150 bilhões depositados no Banco Central. Além disso, a taxa de juros paga pelo governo é, no mínimo, o dobro da que seria, se a política econômica não se destinasse a tornar o Brasil subdesenvolvido. São 10 pontos percentuais. Com a dívida mobiliária em R$ 850 bilhões, só esse desperdício, custeado pelos contribuintes, monta a R$ 85 bilhões/ano = 4,8% do PIB, oito vezes os investimentos do governo federal em 2004.

*Doutor em economia pela Universidade de Hamburgo, Alemanha, autor de Globalização versus Desenvolvimento benayon@terra.com.br.