Correio Braziliense, n. 20592, 09/10/2019. Política, p. 6

Ministro polêmico e professor afável



Se no Supremo Tribunal Federal ele provoca reações viscerais — um colega já sugeriu um "duelo" de arma de fogo, outro o definiu como "a mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia" —, na sala de aula Gilmar Mendes tem fama de professor afável, que já deu aula para ministro de Estado, deputado e até um condenado no mensalão. A última ameaça ao magistrado veio do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo ter planejado assassinar o ministro a tiros dentro do STF.

No tribunal, Gilmar dá votos contundentes, eleva o tom da voz, ataca procuradores da "República de Curitiba", vê "gângster no comando" de investigações da Receita, chama o ex-juiz e hoje ministro da Justiça, Sergio Moro, de "coaching da acusação" e, volta e meia, se mete em discussão com algum colega de plenário. Esse é um lado de Gilmar. Ele, porém, tem o "lado B", quando tira a toga e vira professor.

Ao entrar na sala de aula do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), do qual é sócio, Gilmar fala manso, pausado. Na "escolinha do professor Gilmar" não há votos, polêmicas ou divergências, muito menos embates como aqueles protagonizados com o ministro Luís Roberto Barroso em sessões transmitidas ao vivo pela TV Justiça.

"Bom dia", diz Gilmar, ao iniciar a aula, acompanhada pela reportagem, da disciplina Jurisdição Constitucional, às 8h06 de uma manhã de quarta-feira. Horas depois, o Supremo retomaria a polêmica análise sobre réus delatados terem o direito à última palavra nas alegações finais, em um julgamento que abre brecha para anular condenações da Lava-Jato. Na sala de aula, a pauta é mais light — "controle de constitucionalidade".

 

Deputados ex-alunos

Os 28 estudantes acompanham a fala do professor-ministro sobre o papel da Suprema Corte em invalidar leis ou preencher o vácuo deixado pelo Executivo e pelo Legislativo. A jornada dupla faz parte da rotina de Gilmar, que deu aulas para mais de 2 mil alunos desde a criação do IDP, em 1998.

Um deles foi o ex-deputado petista João Paulo Cunha, condenado no mensalão, inclusive com o voto de Gilmar. Procurado, Cunha não comentou.

Os deputados Domingos Neto (PSD-CE) e Marcos Pereira (Republicanos-SP) e o ex-ministro Marcos Jorge também foram alunos do ministro. "Era uma classe bem eclética, mas nada de questões políticas no ambiente de sala de aula. Ele é um excelente professor, com uma profundidade de conhecimento totalmente fora da curva", afirmou Domingos. "Ele é mais tranquilo em sala de aula, que requer um pouco mais de maleabilidade, afinal é a troca de aprendizado entre professor e aluno", disse Marcos Pereira.

"O Gilmar professor traz os aspectos históricos para a gente entender a jurisdição constitucional, enquanto o Gilmar ministro tenta entender a realidade atual e aplicar o direito em cima daquilo, mesmo que as decisões, às vezes, sejam controversas", afirmou o aluno João Marcos Pedra.