Título: Devoção
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 06/04/2005, Internacional, p. A7

Adeus ao pontífice deve levar 4 milhões de fiéis à Basílica de São Pedro

Entre 15 e 18 mil pessoas por hora passaram ontem em frente ao corpo do papa João Paulo II, exposto aos fiéis na basílica de São Pedro desde a noite de segunda-feira. Ao todo, calcula-se que 1 milhão de pessoas já deram o último adeus ao pontífice, morto no sábado, e a previsão é a de que até sexta-feira, dia do enterro, os peregrinos em Roma passem de 4 milhões, o que dobraria a população da capital italiana. Desde a manhã, o fluxo de pessoas era incessante. A fila saía da Santa Sé e tinha tinha 9km de extensão: passava pela Via da Conciliação, a ampla rua que une Roma ao Vaticano, e outras ruas anexas. Grupos de voluntários distribuíam garrafas de água entre os que esperavam, para evitar a desidratação. Para passar o tempo, alguns rezavam o rosário na língua materna ou em latim. E houve quem escolhesse meios menos ortodoxos de demonstrar fé. Na Via da Conciliação, jovens cantavam as preces em ritmo de rap, com tambores ou cítaras indianas. De vez em quando, alguém gritava ¿João Paulo II¿ e todos batiam palmas.

¿ É como uma onda. Ouvimos as palmas vindo de longe e sentimos que é natural nos unirmos nesta homenagem. Nosso pensamento está com o papa ¿ contou a italiana Antonietta da Cassino. O brasileiro Eliano Queiroz, de 25 anos, também esperava para se despedir de Karol Wojtyla.

¿ Encontramos em João Paulo II nosso ponto de apoio. Frente aos valores banais que nos vendem, ele representava a defesa da vida e da verdade.

Apesar da multidão, a polícia romana não tem tido dificuldades, já que se antecipa avisando aos fiéis, via mensagem de texto por celular (SMS, ou torpedos) para usarem o transporte coletivo e estarem preparados para a longa fila. As mensagens incluem também alertas sobre o tempo em Roma, quente durante o dia e fresco à noite.

¿ Muita gente dormiu aqui, mas não houve incidentes, porque as pessoas estão tranqüilas ¿ acrescentou Valeria Mecozzi, voluntária da proteção civil.

No entanto, mesmo com o cuidado policial e de voluntários, algumas pessoas, principalmente idosos desmaiaram por causa do calor. Em média, cada peregrino permanece entre 10 e 12 horas na fila. O velório estará aberto até a meia-noite de amanhã. Depois, a basílica será fechada, para permitir a preparação do templo e da praça para o funeral, marcado para depois da missa das 10h de sexta. Até lá, muita gente espera viver a mesma emoção de Caterina Avantagiato.

¿ Foi uma linda experiência testemunhar a Paixão de João Paulo II ¿ afirmou a jovem, do Sul da Itália.

Até mesmo os romanos que ainda não tinham tido coragem finalmente seguiam para a praça.

¿ Estou muito arrependida de não ter vindo antes ¿ dizia, chorando, Valeria Ingrassia, moradora da capital. ¿ Só o vi na TV, não tive coragem ¿ soluçava, lembrando que João Paulo II a havia abençoado pessoalmente há alguns anos, durante uma missa em Roma.

Pouco adiante, a romena Regina Cernic, 32 anos, rosário nas mãos, sussurrava a caminho do memorial coletivo. Na mão, também levava um guardanapo onde se lia um texto escrito com letra infantil: ¿Lá em cima, certamente você é o anjo mais bonito¿.

¿ Quando vim para a Itália, há oito anos, vivia nas ruas ¿ diz ela, que trabalha como faxineira e hoje já tem uma casa. ¿ Quando as coisas ficavam ruins, eu rezava e pensava no que João Paulo II dizia. Ele me dava forças para seguir lutando. Quando chegar perto do corpo, não sei se conseguirei olhar. Sinto como se meu pai tivesse morrido ¿ completa, consternada.