Título: Futuro
Autor: Olivia Hirsch
Fonte: Jornal do Brasil, 06/04/2005, Internacional, p. A9

Cardeal africano desponta como um dos favoritos

A fumaça branca que tradicionalmente anuncia a escolha do novo papa pode apresentar um pontífice negro no fim deste mês, após 1500 anos da eleição do último africano. Sem concorrentes à altura no continente, o cardeal nigeriano Francis Arinze desponta como um dos favoritos ao trono de São Pedro. Mas há quem, dentro da própria Igreja Católica, duvide da possibilidade de um negro ser eleito para liderar o Vaticano. Sem desfrutar do otimismo que paira sob a África em relação à escolha de um dos seus, o cardeal marfinense Bernard Agre, de 79 anos, declarou na noite de segunda-feira que o ¿Ocidente não está preparado psicológica nem espiritualmente para dar as boas-vindas a um papa negro¿.

¿ É a mentalidade das pessoas, levará tempo até que se acostumem com a idéia ¿ opina. ¿ Seria uma grande revolução e um enorme desafio.

Foi longa a jornada desde que Arinze, 72 anos, saiu de uma pequena vila no Sudeste da Nigéria e se tornou encarregado da Congregação para Devoção Divina e Disciplina dos Sacramentos, no Vaticano. Pessoa de hábitos simples, atende aos telefonemas pessoalmente, é apaixonado por futebol, se sente à vontade na presença de mulheres e acredita que muçulmanos, budistas e judeus podem ir para o paraíso. É o terceiro de sete filhos de pais devotos de divindades Ibo, tradicionais no país, mas que o enviaram a uma escola de missionários. Só foi batizado na Igreja com nove anos. Aos 32, se converteu no mais jovem bispo do mundo e, após estudar em Londres, voltou à Nigéria durante a guerra civil que matou 1 milhão.

¿ Arinze trabalhou na Cúria Romana, está a par da burocracia e do linguajar. A igreja está preparada para um papa de qualquer cor, justamente pelas ações de João Paulo II, que acentuou a dimensão universal da Igreja ao viajar e ser fotografado ao lado de líderes de todas as regiões ¿ afirma ao JB o padre Jesus Hortal, reitor da PUC-Rio.

A favor do cardeal, entre outros temas, pesa o fato de que o número de praticantes, que era de 9% no início do século passado na África, atinge hoje quase metade dos 900 milhões de habitantes do continente. São 20 milhões de fiéis só na Nigéria, segundo dados do Centro para Estudo do Cristianismo Global, de Massachusetts. Enquanto isso, EUA e Europa só observaram reduzir a cifra de adeptos, o que leva a crer que o futuro do Catolicismo esteja no chamado terceiro mundo.

¿ A atuação de João Paulo II, um papa da Europa do Leste, favoreceu a unidade entre o Oriente e o Ocidente. Como a fratura hoje se dá entre o Norte e o Sul, um pontífice da África ou da América Latina também poderá contribuir para a unidade do gênero humano ¿ opina o padre Hortal.

¿ Seria ótimo, é claro, que o novo papa fosse alguém do vibrante Sul ¿ apoiou o cardeal sul-africano Wilfred Napier.

Mas contra o favorito do continente negro estão críticas a sua postura política. Arinze enfrentou protestos ao discursar em uma universidade dos EUA, quando aparentemente associou homossexualismo à pornografia, assim como relação sexual ao adultério. O possível papa negro também é visto como pouco original e cópia, ao menos no campo das idéias, de João Paulo II.