Correio Braziliense, n.20558, 05/09/2019. Política. p.5

Bolsonaro ataca Bachelet 



Presidente acusa a alta comissária da ONU de intromissão na soberania do país e elogia ditadura que matou o pai dela no Chile
O presidente do Chile, Sebastián Piñera, refutou, ontem, a declaração feita por Jair Bolsonaro sobre o pai da ex-presidente chilena e alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet. Alberto Bachelet morreu torturado durante a ditadura de Augusto Pinochet. “Não compartilho a alusão feita pelo presidente Bolsonaro a uma ex-presidente do Chile e, especialmente, num assunto tão doloroso quanto a morte de seu pai”, disse Piñera em comunicado público no Palácio do Governo.

O chefe do Palácio do Planalto acusou Bachelet de “se intrometer na soberania brasileira”, com seus alertas de que há uma “redução do espaço democrático” no Brasil. “Michelle Bachelet, comissária dos Direitos Humanos da ONU, seguindo a linha do Macron (presidente francês Emmanuel Macron) de se intrometer nos assuntos internos e na soberania brasileira, investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos (de bandidos), atacando nossos valorosos policiais civis e militares”, postou, no Twitter.

Mais tarde, ele fez elogios a Pinochet. “(Bachelet) diz que o Brasil perde espaço democrático, mas se esquece que seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai, brigadeiro à época”, afirmou Bolsonaro, na saída do Palácio da Alvorada. “Quando tem gente que não tem o que fazer, vai lá para a cadeira de Direitos Humanos da ONU.”

Em declaração à imprensa, em Genebra, Bachelet afirmou, ontem, haver uma “redução do espaço democrático” no Brasil, especialmente com ataques contra defensores da natureza e dos direitos humanos. Ela também disse haver um aumento no número de pessoas — especialmente afrobrasileiros e moradores das favelas — que morreram nas mãos da polícia brasileira e lamentou o “discurso público que legitima execuções sumárias” e a persistência de alguma impunidade.

Ao rebater Bachelet, Bolsonaro citou Macron porque está em uma disputa aberta com o presidente francês por causa do aumento dos incêndios na Amazônia, algo descrito pelo país europeu como “crise internacional”.

O presidente brasileiro exige, antes de qualquer discussão com Paris, que Macron se retrate por suas declarações nas quais sugeriu internacionalizar a Amazônia, se o Brasil não garantir a preservação. O chefe do Executivo, que defende a exploração da mineração em reservas indígenas e áreas protegidas, mesmo na Amazônia — considera a ação de ONGs e o interesse dos países europeus na preservação da floresta como interferências que ameaçam a soberania do Brasil.

Na terça-feira, ele pediu aos brasileiros que usem as cores verde e amarela durante as comemorações do Dia da Independência, no sábado, para reafirmar a soberania brasileira sobre a região amazônica.

Golpe

Alberto Bachelet era general da Força Aérea e se opôs ao golpe dado por Pinochet em setembro de 1973. Ele foi preso três dias depois da queda de Salvador Allende e morreu, ainda no cárcere, em 12 de março de 1974, aos 50 anos. Em 2012, a Justiça do Chile mandou prender os coronéis Benjamin Cevallos e Ramón Cáceres Jorquera, acusados de torturar e causar a morte do pai de Bachelet. Na ocasião, ela era candidata a presidente do país.

Foi a primeira vez em 38 anos que a Justiça se pronunciou sobre o caso do general Alberto Bachelet. A ordem saiu após o Serviço Médico Legal determinar que a morte foi causada por problemas cardíacos decorrentes da tortura que ele sofreu na Academia de Guerra Aérea (AGA). À época, o órgão estava sob responsabilidade de Jorquera e Cevallos. “Há uma relação direta entre a morte da vítima e o seu último interrogatório”, escreveu o juiz.

Quando foi preso, o general chegou a enviar uma carta para a mulher, Ângela Jeria, na qual relatava que o mais humilhante era que a tortura era praticada por seus companheiros de armas. Ele e a própria Michelle Bachelet estão entre as 32 mil pessoas presas e torturadas durante a ditadura. Mais de 3 mil morreram. A apuração dos crimes cometidos pelo Estado chileno no período de 1973 a 1990 levou a dezenas de condenações e prisões.