Título: Governo dá o ano por perdido
Autor: Villas-Bôas Corrêa
Fonte: Jornal do Brasil, 06/04/2005, Outras Opiniões, p. A11

Pelo visto, o presidente Lula já considera perdido o penúltimo ano do seu mandato e mudou a tática e decidiu apostar na sua vitoriosa experiência como líder sindical para tocar a campanha pela reeleição em 2006. O governo não toma jeito e não consegue engrenar. Os sinais apontam na mesma direção do reajuste do modelo, com a desistência dos baldados esforços para imprimir um mínimo de eficiência à administração paralisada por muitos entraves incontornáveis.

As jogadas pessoais do presidente oferecem novidade a cada dia. Ainda agora, não há como negar o lance hábil e eficiente no convite aos ex-presidentes José Sarney e Fernando Henrique Cardoso para que integrem a comitiva oficial que, amanhã, viaja para Roma para o enterro do Papa João Paulo II. O ex-presidente Itamar Franco, embaixador do Brasil na Itália, também estará presente.

Lula caprichou no esforço para corrigir os estragos das últimas trombadas com o Congresso e estendeu o convite aos presidentes das duas Casas do Legislativo, senador Renan Calheiros e deputado Severino Cavalcanti, além do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Nelson Jobim, para comporem a comitiva.

O Aero-Jet de US$ 56,7 milhões deverá zarpar com lotação completa. E as longas horas de vôo sereno, com requintes de conforto, certamente propiciará a oportunidade, que não será desperdiçada, de contatos pessoais, no clima descontraído pela gentileza do presidente e a gratidão dos convidados.

Não fica por aí. De Roma, o presidente segue para direto para a África, onde permanecerá de 10 a 14, cumprindo o programa de visita a Camarões a Nigéria e a Gama.

Lula adora viajar e está encantado com o seu brinquedo de milionário. Detesta a maçante rotina burocrática do papelório que não lê - passa os olhos no resumo - aos despachos cada vez mais espaçados com os 35 ministros e secretários do paquiderme que confinou na Esplanada dos Ministérios.

O ano está mesmo perdido. Alguns remendos aqui e acolá tentarão salvar as aparências. Mas a evidência de que Lula deu adeus às esperanças de uma razoável recuperação dos dois anos e três meses de estagnação amiúda-se na seqüência de recuos e na improvisação de saídas de emergência.

Não bastasse o afastamento por uma semana do fogareiro de Brasília, com o Congresso à matroca, enterrado até o gogó nas gravíssimas denúncias do festival de mordomias, que não poupou os cabelos brancos dos senadores ao superarem a ganância dos deputados na corrida aos cofres da Viúva, o governo acaba de comunicar às vítimas do sucateamento da malha rodoviária que os reparos foram adiados para o próximo ano, em dia e mês que não podem ser previstos. Razões, justificativas, as de sempre. O corte nas verbas orçamentárias do Ministério dos Transportes foi arrasador: R$ 2,7 bilhões do total de R$ 6.9 bilhões. A sobra de R$ 4,2 bilhões, com o embaraço para a liberação, entorpece o ânimo do secretário-executivo, Paulo Sérgio Oliveira, que desabafa: ''Hoje tenho mais a pagar do que vou receber até junho e estou supondo que queremos que o país cresça''.

Nada de choradeira. Com a privatização anunciada dos oito trechos da nata dos pedágios das estradas federais, o candidato Lula estará municiado de promessas para o bis eleitoral.

E no mais, como ensina o povo ''o que não tem remédio, remediado está''. Sem maioria no Congresso, com a Câmara entregue a orgia do baixo clero e o Senado engasgado com a revelação das mordomias fruídas em silêncio, que elevam o custo de cada gabinete privativo a mais de R$ 250 mil mensais, a badalada reforma política foi para o beleléu.

Os companheiros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que sabem das coisas e têm as costas quentes, iniciaram o ''abril vermelho'', com invasões por atacado e anunciam a continuação em maio, com a ocupação de mais de 70 fazendas.

Lula confia na sorte, no carisma, na facilidade de comunicação com o povão: com meia dúzia de improvisos desata o nó e emplaca a reeleição.

Quem viver, verá. Ou não.