Título: A fusão que interessa
Autor: André do PV
Fonte: Jornal do Brasil, 06/04/2005, Outras Opiniões, p. A11

A saúde do Rio subiu no palanque e a saúde do carioca virou santinho para a eleição de 2006. Os protagonistas da crise estão longe da via crúcis das filas dos hospitais e da omissão de atendimento. Um deles aproveita-se da situação para fazer o mise-en-scène que pode lhe salvar o emprego; o outro, flagrado em ineficiência explícita, age como menino mimado que perde um brinquedo; o terceiro assiste a tudo esfregando as mãos de prazer.

Outros dois cenários merecem ser lembrados porque ajudam a compor a mesma tragédia:

- Um bando de marginais intercepta um ônibus a pedradas, provoca a morte de duas pessoas e deixa 18 feridos, transformando a Niterói-Manilha num caminho de diligências de faroeste americano, como muito bem lembrou a imprensa;

- Um ambientalista é friamente assassinado na reserva de Tinguá, denunciando o perigo a que estão submetidos todos os defensores da natureza no estado.

O que estes três episódios têm em comum é, além da violência individual e social que representam, o trágico paralelismo entre as três esferas de poder que interferem na vida do povo fluminense. Paralelismo é pouco. Na verdade, município, estado e União agem por caminhos diferentes, não raras vezes antagônicos.

Haveria menos assaltos na Niterói-Manilha se Polícia Rodoviária Federal e Polícia Militar se preocupassem menos em jogar a culpa uma na outra e assumissem a responsabilidade conjunta que têm pela segurança da população naquela área. O cidadão que passa de carro por aquela estrada não está preocupado com jurisdição estadual ou federal. A bem da verdade, pouco importa se ele próprio é do Rio ou não. Ele tem dreito à segurança.

A reserva do Tinguá é federal, mas os tiros que mataram o ambientalista não tinham jurisdição, assim como estão pouco se lixando para isto os bandidos que ameaçam a vida de outros dez defensores da natureza, que não recebem proteção nem da PF e nem da PM.

Da mesma forma, não faz a menor diferença para os pacientes dos hospitais do Rio se a miséria e o abandono a que estão submetidos é municipal ou federal. É injusta e ponto final.

O infortúnio que abala a auto-estima de cariocas e fluminenses não tem alçada. É macabramente democrático em suas seqüelas. Não será curado apenas pela competência da prefeitura, pela solidariedade do governo do estado ou pela colaboração do governo federal. Depende, fundamentalmente, da inter-relação das três instâncias de poder.

O Rio continuará órfão de poder enquanto o poder for exercido de forma isolada. Continuará abandonado à própria (má) sorte enquanto os governantes não tiveram grandeza para conversar, negociar, se entender. Em uma palavra, zelar pelos direitos dos cidadãos - todos os cidadãos, municipais, estaduais ou federais.

Há bons exemplos aqui perto, em São Paulo. Na hora do interesse comum, os políticos paulistanos e paulistas se unem. Esquecem as brigas políticas e agem como se pertencessem a um único partido, o Partido de São Paulo. Os parlamentares conseguem produzir um diálogo em tom elevado, colocando o estado à frente dos interesses pessoais e políticos. A isto muitos de nós chamamos ''paulistério'', em tom pejorativo, como se estivéssemos diante de um provincianismo imperdoável.

Bendito provincianismo! O Rio que posa de cosmopolita - e de fato o é - teria muito a ganhar se não se envergonhasse de ser provinciano, sempre que necessário. Se tivesse coragem de empunhar a mesma bandeira azul e branca. Se fosse capaz de abrir mão de suas idiossincrasias ideológicas para unir-se em torno de interesses comuns.

Não há nada mais legítimo que a diversidade partidária. Mas se dessem ouvidos à chamada voz rouca das ruas, os políticos já teriam ouvido um apelo dramático: briguem nos palanques, mas esqueçam por um momento suas divergências e filiem-se ao Partido do Rio de Janeiro. Façam na prática, finalmente, a fusão de interesses que até hoje só aconteceu no papel. Antes que seja tarde demais. Para eles e para os cidadãos.