Título: Educação: chave da inclusão social
Autor: Carlos José Guimarães Cova*
Fonte: Jornal do Brasil, 06/04/2005, Economia & Negócios, p. A18

Nestes tempos de rápidas transformações pelas quais passa o ambiente político e econômico nacional, é curioso como surgem idéias salvacionistas e simplórias no sentido de criarem-se as condições para o resgate de nossa dívida social. O atual projeto de reforma universitária é um desses arranjos reducionistas que partem de uma premissa equivocada para uma solução contraproducente. Não será por meio do aparelhamento e da supressão do mérito que a oferta de educação de qualidade estará disponível para os indivíduos mais carentes da sociedade. Não basta abrir os portões das universidades para garantir a educação e, por essa via, o desenvolvimento econômico. É preciso com urgência informar aos congressistas que não é direta a relação entre educação e crescimento econômico. A suposição inicial seria de que a educação e o treinamento contribuiriam para o crescimento econômico, graças aos seus efeitos sobre a produtividade e também sobre a mobilidade laboral e a inovação tecnológica. Não obstante, a evidência empírica tem demonstrado um fracasso do crescimento econômico como resposta ao crescimento educacional isoladamente.

As análises estatísticas realizadas em alguns países africanos tais como Angola, Moçambique, Gana, Zâmbia e Senegal, baseadas em séries históricas de crescimento do capital humano, não conseguiram encontrar associação positiva entre o crescimento da educação e o crescimento da produção por trabalhador. Tais fatos ensejaram a seguinte conclusão, que restringe mas não invalida a suposição anterior: as pessoas respondem a incentivos.

Dessa forma, se não existirem incentivos para que os agentes invistam no futuro, de nada adianta a expansão da educação. A criação de pessoas altamente qualificadas em países cuja única atividade rentável consiste em fazer lobby junto ao governo em prol da obtenção de favores não é propriamente uma receita para o sucesso. Ou seja, criar capacidades onde não existe tecnologia para usá-las não promoverá o crescimento econômico.

Diante dessa constatação empírica foi verificado que a escolaridade somente rende dividendos quando as ações governamentais criam incentivos ao crescimento e não à redistribuição. Por esse ângulo é possível inferir que as metas administrativas e a educação fundamental compulsória em si não geram os incentivos ao investimento no futuro que efetivamente importam para o crescimento econômico. Assim, a qualidade e o resultado da educação seriam diferentes numa economia com incentivos ao investimento no futuro, em comparação com outra que não oferecesse esse incentivo.

Assim, a adoção de políticas públicas voltadas para o incentivo das inovações e invenções, bem como para a viabilização de ações empresariais que tornem factíveis economicamente a exploração dessas tecnologias e sobretudo que estimulem o empreendedorismo com foco setorial nos arranjos produtivos locais (APLs), a desregulamentação e uma ação afirmativa em termos de responsabilização e coordenação seriam medidas de grande efeito para a superação das desigualdades sociais através da inserção do trabalhador nos processos de produção.

Com a globalização, o ciclo de vida dos produtos tornou-se mais instável, de sorte que a excessiva verticalização das grandes empresas passou a ser um fardo nesse novo ambiente de negócios, que exige maior flexibilidade. Por isso os APLs, ou clusters, são estruturas mais adequadas para o enfrentamento desse desafio.

Um APL representa um aglomerado de empresas de um mesmo setor, numa mesma localidade, que se beneficia de forma sinérgica da presença de instituições de apoio tais como bancos de fomento, cooperativas, universidades e órgãos governamentais. A experiência tem demonstrado que os APLs são impulsionadores de empregos e distribuidores de renda nas suas respectivas regiões.

Dessa forma, seria preciso que o governo, no seu nível mais abrangente, desencadeasse uma série de reformas estruturais efetivas de forma que criasse um ambiente com menos incertezas, e economicamente favorável, para que a ação empreendedora pudesse vicejar.

Os requisitos para o estabelecimento dessa nova ordem econômica seriam: a existência de um regime econômico e institucional que forneça os incentivos; uma população educada e capacitada; uma estrutura dinâmica de disseminação de informações e comunicações; e um sistema de centros de pesquisa, universidades e outras instituições que possam servir-se do estoque crescente dos conhecimentos globais.

É preciso compreender que a educação, sem o empreendedorismo dos atores produtivos, não desencadeará sozinha os resultados econômicos que permitam instalar um círculo virtuoso de crescimento e desenvolvimento. Assim, o debate em torno da reforma universitária não deve deixar de fora essa importante dimensão da agenda econômica, sob pena de, mais uma vez, admitir-se que o ranço ideológico venha a prevalecer sobre a razão.

* Professor da Universidade Federal Fluminense