Título: Comida e lona no lugar de terra
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 07/04/2005, País, p. A3
Enquanto não faz a reforma agrária, governo distribui 31,8 milhões de quilos de alimentos
O governo federal distribuiu ano passado 31,8 milhões de quilos de alimentos nos acampamentos dos sem-terra, além de muita lona para a construção de novas barracas. A meta da ''assistência social'' ficou 811% maior que o previsto, segundo relatório do Incra. Ao mesmo tempo em que enche os acampamentos de alimentos e material para confecção de barracas, no entanto, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva não consegue dar terras para as famílias. O Incra deixou de cumprir 15 das 25 metas traçadas em seu plano de reforma agrária. O governo tinha com e meta assistir 27 mil famílias mais necessitadas no ano passado, mas atendeu a 219 mil famílias de acampados como comida, lona e serviços jurídicos, conforme o relatório. Foram feitos 1,32 milhão de ''atendimentos'' de entrega de alimentos, uma média de 6 cestas básicas por família. O Projeto Distribuição Emergencial de Alimentos a Famílias Sem-Terra Acampadas é feito em cooperação com o programa Fome Zero.
Os estados mais atendidos pela política assistencial do governo não são os mais pobres, mas os que apresentam maiores níveis de conflitos no campo e têm mais acampamentos. Pernambuco - recordista no número de invasões a fazendas - recebeu no ano passado 3,5 milhões de quilos de alimentos. Em seguida vem Mato Grosso, com 3,1 milhões de quilos de alimentos, e Mato Grosso do Sul, com 3,1 milhões de quilos. Os acampamentos de São Paulo ganharam 2,4 milhões de quilos.
O Incra não apresenta a mesma desenvoltura quando o assunto é reforma agrária. Ano passado, o instituto recebeu R$ 983 milhões para a obtenção de imóveis rurais. Mesmo com a execução de 97% do orçamento, só atingiu 52,5% da meta física, obtendo uma área total de 574 mil hectares. A justificativa do Incra é que a execução minguada ''decorreu do aquecimento geral do mercado de terras''. O orçamento previa o preço do hectare a R$ 930 e o preço de compra ficou em média R$ 1,3 mil. O relatório do Incra destaca como prioritárias para aquisição de fazendas as regiões onde se encontram os maiores números de acampamentos e a maior demanda por terra.
O Incra recebeu ano passado R$ 222 milhões para a concessão de crédito de instalação para as famílias recém assentadas. É o dinheiro que a família usa para comprar ferramentas, garantir a subsistência inicial e comprar os insumos para a produção. A meta era atender 42 mil famílias, mas o instituto só conseguiu dar crédito a 30 mil, 72% da meta. O Incra alega que o valor do crédito unitário de cada família subiu de R$ 4,5 mil para R$ 7,4 mil, impedindo o cumprimento da meta.
Na área de titulação de terras, o Incra só conseguiu cumprir 3% da meta, concedendo 1,4 mil documentos de domínio ou de concessão. O plano era conceder 47 mil títulos. O relatório aponta a indefinição do modelo de titulação. Parte do dinheiro foi empregado no Programa Nacional de Documentação da Mulher Trabalhadora Rural.
O governo Lula desacelerou o processo de emancipação dos assentamentos, pelo qual o assentado fica independente e vira agricultor familiar e conquista a sustentabilidade econômica. Em 2003, foram emancipadas 32.500 famílias. No ano passado, o número caiu para 10.400. Os movimentos sociais vêm ao longo dos anos fazendo pressão contra a emancipação, pois perdem com isso grande parte dos filiados.
O Incra só cumpriu 11% da meta de georeferenciamento (levantamento feito por satélite) de imóveis rurais. Das 141 mil áreas previstas, só fez o levantamento em 16 mil, devido à baixa capacidade operacional dos órgãos estaduais de terra. A meta de implantar o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais não foi cumprida.
Quando o assunto é quilombo, nenhuma meta sai do papel. Das 35 comunidades que deveriam ser tituladas ano passado, o Incra só conseguiu dar títulos em duas, 6% de cumprimento da meta. O Incra culpa a ''complexidade dos procedimentos'' de titulação. Estava prevista a indenização de 389 famílias, a título de pagamento por benfeitoras realizadas nas terras demarcadas e tituladas aos remanescentes de quilombos, mas o Incra voltou a culpar a complexidade do assunto para não cumprir a meta.
O instituto conseguiu superar algumas metas em programas como a alfabetização de jovens e adultos nas áreas da reforma agrária. Estava prevista a alfabetização de 44 mil alunos e o Incra atendeu a 57 mil. O órgão previa atingir 84 mil famílias com assistência técnica no ano passado e chegou a 131 mil famílias.
O Incra também obteve sucesso acima do previsto na recuperação e qualificação de assentamentos, além do fomento à agroindústria na reforma agrária. Foram assentadas 81 mil famílias no ano passado, o que representa 70% da meta prometida por Lula, que era de assentar 115 mil famílias.