Correio Braziliense, n. 20585, 02/10/2019. Política, p. 03

Recusas são exceção no sistema prisional

Maria Eduarda Cardim


Ao recusar a mudança do regime fechado para o semiaberto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reacendeu um antigo debate. Segundo especialistas e defensores públicos ouvidos pelo Correio, apesar de serem considerados exceção, casos de presos que não querem a progressão de regime existem no Brasil e ocorrem por diversos motivos. “Essas situações ocorrem. Não são incomuns, mas também não são corriqueiras”, disse o subcoordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário (Nuspen) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), Leonardo Rosa.

O próprio Leonardo trabalha em um caso em que o condenado desistiu do próprio pedido de progressão de regime, sem apontar motivo específico para a desistência. “O preso disse que desejava aguardar no regime fechado o cumprimento da pena”, explicou. No entanto, a Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou a progressão de regime contra a vontade do condenado. O preso se encontra em regime semiaberto, mas a Defensoria Pública entrou com recurso para que ele volte para a prisão em tempo integral.

Segundo Leonardo, há diversos motivos que explicam a decisão de alguns presos de não deixar a prisão. Um deles é o medo de perder o contato com a família. A progressão de regime implica mudança da unidade prisional, por isso, alguns preferem cumprir o regime fechado para continuar perto dos familiares que o visitam.

“Como é um direito do preso progredir de regime, os motivos são distintos porque vão dizer respeito à individualização da pena”, avalia a consultora em direitos humanos Fernanda de Paula. Ela relembra o caso de Suzane Von Richthofen, que, em 2014, recusou o regime semiaberto por temer pela própria vida. A Justiça revogou a decisão que progredia o regime da condenada. Um ano depois, Suzane solicitou a progressão e teve o pedido aceito.

Fernanda relembra outros casos, como o de um estrangeiro que não queria mudar de regime com medo de ter que deixar o Brasil. De acordo com a consultora, nos Estados Unidos, alguns presos se entendem como inocentes e se recusam a se declarar culpados para conseguir a progressão (liberdade condicional). “É um direito do preso e um dever do Estado. Não sendo um benefício, o Estado tem que conceder se o preso preenche os requisitos. É o que está disciplinado em diversos tratados internacionais de direitos humanos, a exemplo das Regras de Mandela”, afirma.