Título: Calvário
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 07/04/2005, Internacional, p. A7

Fila para se despedir de João Paulo II chega a 10 km. Roma entra em colapso

VATICANO - A multidão que acorreu à basílica de São Pedro para se despedir do papa João Paulo II fez a capital italiana entrar em colapso, com o trânsito paralisado e ondas de peregrinos que não páram de chegar saturando os terminais públicos. Muitos estão dormindo ao relento, na rua. Assustadas, as autoridades decidiram fechar o acesso à fila ¿ que à tarde já era de 10 km, indo até a ponte do rio Tibre ¿ desde as 22h de ontem. Segundo a Defesa Civil, a espera chegava a 24 horas e o bloqueio foi decidido para que todos possam estar na basílica até esta noite, quando se encerra o velório público. Também foi feito um apelo para que os romanos hospedem os visitantes (4 milhões previstos) em casa, já que não há hotéis ou abrigos. ¿ Há 1 milhão de pessoas só do lado de fora da praça de São Pedro ¿ disse Luca Spoletini, um dos agentes. ¿ A cidade não comporta mais ninguém. Quem chegar depois desta noite (ontem) não verá o funeral ¿ advertiu Guido Bertolaso, chefe dos policiais.

Ainda assim, não foi fácil barrar quem queria passar. Os agentes demoraram mais de uma hora para encerrar a fila.

¿ Como vamos fechar? Diga você a essas pessoas! ¿ exclamava um policial, impotente diante da quantidade de gente que passava por ele mesmo após a ordem ser dada.

Os painéis eletrônicos das vias expressas e torpedos de celular foram usados pela prefeitura para avisar do bloqueio. Após o último peregrino passar, a basílica será fechada para limpeza e preparação para o funeral. Prédios públicos também serão esvaziados e as empresas vão liberar os funcionários. Carros particulares estão impedidos de trafegar nas estradas, para liberar espaço para o fluxo ininterrupto de turistas. Nada que minorasse a confusão: só de manhã 500 ônibus lotados chegaram à cidade pelo Sul. E pelo menos 300 pessoas bloquearam a passagem de um trem superlotado que vinha para a capital em protesto contra a falta de lugares disponíveis.

¿ Metade de Roma parou em engarrafamentos ¿ contou o taxista Nicola d'Enrico.

O quadro na fila era dramático, com centenas de pessoas desmaiando em função do forte calor. Os médicos tiveram trabalho redobrado:

¿ A maioria simplesmente não veio preparada. As pessoas precisam de protetor solar agora e de cobertores à noite ¿ disse o médico Francesco Folicaldi, da Ordem de Malta, que fez mais de 400 atendimentos desde terça-feira. O mais próximo que Maria Cipriana, de 70 anos, chegou do papa foi o posto médico.

¿ Não vou mais vê-lo, não é? ¿ perguntava, mais triste por ter saído da fila do que pelo joelho ralado, por ter caído desmaiada, vítima do calor.

Só na madrugada de ontem, a Cruz Vermelha atendeu 500 pessoas. Uma delas foi Claudio Baudazzi, de 75 anos, que já estava há 10h na fila, incluindo sete no ambulatório.

Baudazzi, que durante a II Guerra trabalhou com americanos, tem problemas de visão e desmaiou por causa do calor, machucando os joelhos.

¿ Lembrei da minha tenda de campanha ¿ brincou, antes de retornar à fila.

Já a Malteser Deutschland, uma ONG humanitária católica alemã, cuidou de 100 pessoas com problemas cardíacos e cansaço extremo. A possibilidade de um estouro na multidão também preocupava.

¿ Fico na beirada da fila. Se tiver uma avalanche humana, dá tempo de correr ¿ explicou Viviana Moran, de 54 anos.

¿ Estes sacrifícios que estamos fazendo agora não são nada em comparação com o que o papa merece ¿ disse Gino d¿Anna, um napolitano que passara sete horas na fila.