Correio Braziliense, n. 20644, 30/11/2019. Artigos, p. 09

Como vencer o racismo institucional

Carolina Saraiva
Marivaldo Pereira


“Racismo institucional no mapa da violência

Execuções sumárias quase sempre vítimas pretas

A desigualdade não é só social

É sistêmica e cultural étnico racial

Homicídios entre nós naturais banais

Violações de direitos julgamentos marginais

A agenda do governo ignora com intenção

Nenhum compromisso com a reparação.”

(Genocídios, Vera Veronika)

 

A luta contra o racismo institucional passa por mudanças que dependem diretamente dos espaços de tomada de decisão da sociedade. O racismo é tão institucionalizado entre nós que, quando alguém tenta questioná-lo, geralmente recebe a violência como resposta. Aconteceu novamente no episódio em que um deputado federal atacou um quadro com imagem que chamava a atenção para o alto número de jovens negros mortos em razão de intervenção policial, numa exposição em plena Câmara dos Deputados. Foi mais um triste exemplo do quanto o questionamento de uma ordem que banaliza a violência contra a população negra pode incomodar.

A obra vandalizada trazia uma ilustração do cartunista Carlos Latuff. Mostrava em primeiro plano um homem negro, estirado no chão, vestindo a camisa do Brasil, algemado, e ao fundo um policial com a arma ainda fumegando na mão. A arte atacada não tem o condão de ofender os policiais, mas de ilustrar um problema que nos acompanha há séculos: o racismo fortemente institucionalizado nas instituições policiais.

Vivemos num país em que as principais vítimas da violência são os jovens negros. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada 100 pessoas assassinadas em nosso país, 75 são negras. Enquanto o índice de homicídios segue estável ou cai entre não negros, cresce mais de 33% entre os negros. A chance de um jovem negro ser assassinado é 2,7 vezes maior do que a de um jovem branco. Ainda de acordo com os dados, 75,4% das pessoas mortas em razão de intervenção policial são negras.

A charge atacada não faz nada mais do que ilustrar esse problema — com grande maestria, diga-se de passagem. Um problema denunciado há décadas pelas rimas e pela arte das minas e dos manos da periferia, como na estrofe que abre este texto.

No lugar de tentar esconder a dura realidade, o parlamentar deveria utilizar o espaço que ocupa para identificar soluções para o problema. Infelizmente, preferiu a violência, como costumam fazer os que se beneficiam do racismo institucional quando questionados. Acompanhado de outros colegas, fez questão de demonstrar o completo desprezo que nutre pelas vidas de nossos jovens negros.

A truculência desse parlamentar e de outros segmentos sociais e políticos não será capaz de esconder os dados da nossa triste realidade. A dor e o sofrimento impostos ao povo negro estão sempre presentes nas quebradas, nas periferias e nas operações policiais.

Para mudar isso, precisamos fazer com que a sociedade pare de negar o problema, abordando a temática do racismo na formação de profissionais das mais diversas instituições, como propõe o Projeto de Lei n. 5.885, de 2019, apresentado por parlamentares negros no início do mês. Também seria fundamental aprovar o Projeto de Lei 4.471, de 2012, que põe fim ao uso dos autos de resistência, os quais têm como objetivo evitar a apuração das circunstâncias das mortes resultantes de intervenção policial.

Essas e muitas outras medidas poderiam ser adotadas para mudar a realidade ilustrada na charge, mas infelizmente não é o que pretendem parlamentares como o que atacou a exposição. Muito pelo contrário, usam seus mandatos para tentar robustecer a impunidade de policiais e militares que praticarem crimes, apresentando propostas que ampliam a excludente de ilicitude para eximir os profissionais de punição, bastando alegarem ter agido por medo, surpresa ou violenta emoção.

Os obstáculos para dar visibilidade ao problema do racismo institucional e para aprovar medidas de enfrentamento a esse problema demonstram que não superaremos essa chaga sem que negras e negros ocupem os espaços de tomada de decisão da sociedade.

É nosso povo que segue chorando seus mortos. São as mulheres negras, guerreiras que fazem um esforço sobre-humano para dar um futuro melhor para os filhos, que recebem o telefonema informando que sua criança foi atingida a caminho da escola por uma bala, apelidada de “perdida”, mas que sempre tem endereço certo.

(...)

 

» CAROLINA SARAIVA

Vice-presidente do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal

 

» MARIVALDO PEREIRA

Auditor federal de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional

 

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