Título: Empreguismo, nepotismo e cinismo
Autor: Ubiratan Iorio
Fonte: Jornal do Brasil, 04/04/2005, Outras Opiiões, p. A11

Os contratados ganham salários entre R$ 3.622 e R$ 5.175. Os favorecidos às expensas dos contribuintes estão empregados nos gabinetes

O nepotismo, o compadrio e o favorecimento de parentes, cabos eleitorais e afilhados, às custas dos impostos arrecadados dos quase moribundos contribuintes brasileiros, fazem parte da cultura nacional, já que, desde que Cabral aqui aportou, nunca se levou a sério a educação do povo, preferindo-se sempre usá-la politicamente. Atualmente, o símbolo dessa vergonha é o inacreditável presidente da Câmara dos Deputados, que além de empregar naquela Casa - que existe, supostamente, não para servir à família Cavalcanti, mas ao povo brasileiro -, oito de seus parentes, ainda declara que, assim o fazendo, está prestando um serviço ao país. Mas o referido senhor, infelizmente, é apenas um entre milhares.

Levantamento realizado por um órgão de imprensa, cruzando dados dos boletins administrativos da Câmara, dá conta de que os cônjuges (noventa e quatro mulheres e dois maridos) de 96 dos atuais deputados federais foram contratados sem concurso público, o que significa que a quarta parte dos 391 deputados que se declararam casados no início da legislatura são praticantes do nepotismo. A maioria dos contratados ganha salários entre R$ 3.622 e R$ 5.175. Esta quase centúria de favorecidos às expensas dos contribuintes está empregada nos gabinetes dos cônjuges, nas lideranças partidárias, nos órgãos da mesa diretora ou nos gabinetes de outros parlamentares, que, para esconderem a contratação e evitar desgaste, adotam a manobra de entrarem em acordo para que uns contratem os parentes dos outros. O referido levantamento leva em conta apenas os cônjuges, mas sabe-se que o compadrio vai muito mais além.

Repare o leitor que esses dados referem-se tão somente à Câmara Federal, o que nos deve exortar, como brasileiros extorquidos pelo manicômio tributário devorador do nosso trabalho, a exigir, primeiro, que se ponha um fim a esses escândalos e, segundo, que se investigue também se o fenômeno não ocorre da mesma forma no Senado, nas Câmaras Estaduais, nas 5562 Câmaras Municipais e nos três níveis do Judiciário e do Executivo, com parentes e apadrinhados de senadores, vereadores, deputados, juízes, desembargadores e ministros, inclusive com as referidas manobras dos acordos entre nossos homens ''públicos'' para procederem ao troca-troca de parentes, afilhados e demais súcubos e bajuladores.

Os males que tais práticas causam às finanças públicas e à economia do país são incalculáveis e se refletem em uma crescente dívida interna, em uma taxa de juros intolerável, em desemprego e em uma carga tributária criminosa e imoral, porque desestimula o trabalho. Apenas o gabinete da Presidência da República, hoje, conta com três vezes mais funcionários do que no final de 2002, quando se encerrou o governo anterior, todos, naturalmente, simpatizantes do partido que está ocupando o Palácio. O que já não ocorreu e estará ocorrendo nos gabinetes e secretarias dos governadores e dos prefeitos, cujo número, de mais de cinco milhares e meio, é superior, segundo as más línguas, à torcida do América? Nosso povo precisa ter imediato acesso a todos esses dados; tudo isto precisa ser devidamente investigado, divulgado e punido; nós, contribuintes, temos que aprender que a cidadania começa pela moralização do serviço público, com a profissionalização da burocracia e a adoção da obrigatoriedade de concurso público para preencher toda e qualquer dessas vagas.

O Brasil é grande, mas depois de tantos anos de empreguismo, nepotismo e cinismo, vai se tornando cada vez menor, cada vez mais sugado por esses parasitas da nação. Por isto, sempre que o ministro Palocci argumenta que é impossível no momento reduzir a carga tributária, sabemos que está falando a verdade e, ao mesmo tempo, que essa vergonhosa situação só vai mudar a partir de uma moralização radical de tudo o que é público. Isto é revoltante! Resta-nos, contudo, o voto.