Correio Braziliense, n. 20642, 28/11/2019. Saúde, p. 16

Ação imediata contra o HIV

Vilhena Soares


Uma das principais metas de especialistas da área médica é encontrar a cura para a infecção pelo HIV. Enquanto esse sonho não vira realidade, pesquisadores tentam encontrar maneiras de combater a doença da forma mais eficaz possível. Com esse objetivo, cientistas norte-americanos propõem uma abordagem diferenciada para crianças que nascem com o vírus. Em testes, a equipe descobriu que aquelas que recebem antirretrovirais horas após o nascimento apresentam menor carga viral do que as que têm o tratamento iniciado semanas depois.

Segundo os autores do estudo, publicado na última edição da revista Science Translational Medicine, apesar dos avanços nos programas de tratamento de grávidas soropositivas, o que reduziu significativamente a transmissão do HIV das mães para os filhos, esse tema ainda exige atenção. “De 300 a 500 infecções pediátricas de HIV ocorrem todos os dias na África Subsaariana”, destaca Roger Shapiro, pesquisador da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, durante uma conferência de apresentação dos resultados do estudo.

Roger Shapiro e os colegas se concentraram em um grupo de meninos e meninas de Botsuana, na África do Sul. “Examinamos mais de 10 mil crianças expostas ao HIV e identificamos 40 infectadas. Essa baixa taxa de transmissão é a prova de que a maioria das mulheres HIV positivas nessa região africana recebeu o coquetel que consegue bloquear a transmissão”, frisa o autor do artigo. Segundo a OMS, o número de bebês nascidos com o vírus caiu de 400 mil para 240 mil em quatro anos, de 2009 a 2013.

No estudo, os cientistas analisaram 64 crianças, divididas em três grupos: 10 nasceram soropositivas e iniciaram o tratamento em média sete horas após o nascimento, 10 nasceram soropositivas e iniciaram o tratamento em média quatro meses após o nascimento e 54 não tinham o HIV. “Seguimos as crianças semanalmente no início. Depois, em análises mensais.  Acompanhamos de perto como elas estavam tomando o medicamento e o nível de virulência”, detalha Roger Shapiro.

Foi analisada a quantidade de células infectadas pelo vírus (células reservatórias virais) e de outros tipos de respostas imunes. Na 96ª semana do estudo, os cientistas observaram que os bebês infectados tratados mais cedo apresentavam um reservatório viral muito menor quando comparados aos soropositivos que começaram a receber o tratamento depois.

“Tivemos dois resultados positivos por comparação: as crianças tratadas precocemente tinham reservatórios virais mais baixos que o grupo que recebeu o tratamento quatro meses após o nascimento. Também vimos que esse primeiro grupo tinha reservatórios significativamente menores que adultos tratados por cerca de 16 anos com o mesmo tratamento”, detalha Mathias Lichterfeld, também autor do estudo e pesquisador da Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos.

 

Vantagem imunológica

A equipe identificou, ainda, que tipos específicos de células imunes inatas (células NK e monócitos) estavam em alta nos bebês tratados precocemente enquanto diminuía o tamanho do reservatório viral. Segundo os cientistas, o fenômeno sugere que essas células podem influenciar ou modular esse reservatório, uma reação que pode ser justificada pela força do sistema imune dos bebês. “Há muitas razões para acreditar que o sistema imunológico inato tem um papel muito importante nesse período inicial, imediatamente após o nascimento, quando os bebês estão muito vulneráveis a doenças”, explica Mathias Lichterfeld.

Para Alberto Chebabo, infectologista do Laboratório Exame, em Brasília, os resultados mostram uma grande vantagem ao explorar o poder curativo otimizado do sistema imune no início da vida. “Ao tratar a criança precocemente, podemos explorar vantagens presentes nesse sistema de defesa inato. Ainda não é a cura, mas nos abre muitas perspectivas”, avalia.

O médico acredita que o estudo também reforça a necessidade do diagnóstico precoce da doença, algo que ainda não é feito globalmente. “É importante fazer o acompanhamento o mais cedo possível, durante a gravidez, mas temos muitos casos de pessoas em situações de risco, usuários de drogas, por exemplo, em que é difícil ter esse cuidado. Por isso, os pesquisadores pensam em uma série de alternativas para contemplar realidades diferentes”, diz.

Segundo o infectologista, o estudo dever ter continuidade. “É preciso analisar um número maior de crianças, entender como podemos melhorar essa estratégia e desenvolver outras. Podem surgir ainda mais ferramentas que ajudem nos testes e que contribuam para melhores procedimentos relacionados ao combate do HIV”, justifica.