Título: Libertação
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 04/04/2005, Internacional, p. A12

Teologia combatida pelo pontificado continuará, diz Dom Pedro Casaldáliga

SÃO PAULO - Ao comentar sobre a morte de João Paulo II, o bispo dom Pedro Casaldáliga, uma das principais personalidades da igreja progressista brasileira, afirmou que ''a Teologia da Libertação existe e sempre existirá'':

- O papa está nas glórias do céu mas lá em cima já está com algum teólogo nosso que já se foi antes dele - afirmou, de São Félix do Araguaia, na Amazônia. O bispo de 77 anos concorda com os colegas Frei Betto e Leonardo Boff sobre a posição do pontífice em relação à opção social característica da igreja sul-americana.

- Não falarei de sua verdadeira e própria mudança, mesmo que em um documento aos bispos brasileiros, no fim dos anos 80, o papa tenha incluído uma cláusula positiva, lembrando que a libertação, no fundo, é uma categoria bíblica - disse. - Mas João Paulo II não confiava muito na Teologia da Libertação, na comunidade eclesiástica de base e nesta nossa forma latino-americana de ser Igreja e de fazer teologia. Tinha formação clássica e uma aversão visceral lógica a tudo que parecesse marxismo.

Ainda mais dura foi, segundo o bispo catalão, a repressão de parte do Vaticano.

- Seus assessores da Cúria eram mais duros com a teologia que dialogava com marxistas, que lutava pela liberação dos povos, nas revoluções, nas reivindicações da América Latina.

Mas Casaldáliga diz que no final o papa se aproximou às idéias católicas progressistas.

- Existem contribuições já incorporadas, como a opção para os pobres e a vinculação da fé à vida, a realidade, considerando situações históricas, culturais, políticas e econômicas de cada povo. Não são descobertas porque que fazem parte do cristianismo, mas talvez não tivessem surgido em outras sedes onde sempre existiu uma teologia longe da realidade.

O religioso brinca com a posição de Roma:

- Dizia-se que seus teólogos respondem a perguntas que ninguém faz e não respondem as que todos fazem. O clima ''suspeita-se e desconfia-se'' que a Teologia da Libertação viveu sob João Paulo II não acaba. Não se espera mudanças, mas cada época e papa são diferentes.

Questionado sobre a condenação do cardeal Ratzinger em 1986, na qual o Vaticano ordenou que ficasse ''um ano em silêncio obsequioso'', Leonardo Boff, por sua vez, respondeu:

- Minha relação com o papa era ambígua. Quando o cardeal apresentou o documento que me retiraria o título de teólogo católico, disse a Ratzinger: ''Você falou com o padre Boff? Então chame-o a Roma para conversarmos, porque ele trabalha com os pobres''. João Paulo II teve uma sensibilidade pastoral, mas não deixou de assinar a condenação.

Em relação à Teologia da Libertação, Boff destaca que o papa cometeu um equívoco histórico, ao confundi-la com uma versão latino-americana cristã do marxismo.

- Imaginando que era o grande risco para a América Latina, acreditava que a Teologia da Libertação seria um cavalo de Tróia - explicou, lembrando que o inimigo era o capitalismo selvagem, o neo-colonialismo e as elites exploradoras. - O papa conhecia a experiência polonesa, o marxismo stalinista, autoritário e queria preservar os latinos desse equívoco. (Ansa)