Título: A esperteza da bala
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 07/04/2005, Opinião, p. A10
Embora integrem o arsenal de recursos típicos da guerra política no Poder Legislativo, as sinistras tentativas da chamada ''bancada da bala'' de adiar o referendo do desarmamento superam os limites da sensatez. Marcada para outubro, a consulta popular definirá os padrões de comercialização da venda de armas de fogo e munição do país. Trata-se de uma forma democrática de os cidadãos de bem decidirem se o desarmamento constitui ou não uma solução adequada contra o implacável avanço da criminalidade. Os defensores das armas na Câmara dos Deputados, contudo, têm evitado o referendo. Sabem que a sociedade já adotou o desarmamento, como comprova a quantidade de armas entregues voluntariamente país afora. A tática é especialmente constrangedora, conforme revela o ruidoso debate sobre a pergunta do referendo. Segundo o texto original, vindo do Senado, os brasileiros deveriam responder ao seguinte questionamento: ''O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?'' Mas o deputado Vanderval dos Santos (PL-SP) achou a questão imparcial demais.
Relator da Comissão de Segurança Pública, Santos mudou para uma versão claramente indutora: ''Deve ser permitido, em todo o território nacional, o comércio de armas de fogo e munição às pessoas, para sua legítima defesa e de seu patrimônio, na forma da lei?'' Um pouco menos enviesada é a última proposta: ''O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido aos cidadãos, para sua defesa e de seus bens.''
Na prática, porém, as ações da ''bancada da bala'' intencionam turvar o debate para adiar o referendo. Convém ressaltar que é legítima a defesa da posse de armas como forma de garantir segurança ao cidadão. Mas são gestos condenáveis quaisquer tentativas de manipulação da preferência do brasileiro.
Um Brasil desarmado será sempre menos violento. Lamentavelmente, ainda há cidadãos de boa vontade segundo os quais o porte de alguma arma de fogo é garantia contra mãos assassinas. Ilusão. A sensação de segurança que uma arma pode sugerir é inteiramente ilusória. O desarmamento não evitará completamente a morte de inocentes, sobretudo em áreas conflagradas por traficantes. Mas ajudará a inibir a banalização da morte.