Correio Braziliense, n. 20640, 26/11/2019. Mundo, p. 12

Promessa de unidade

Rodrigo Craveiro


A recontagem das cédulas após um empate técnico nas eleições presidenciais do Uruguai começará hoje pela manhã e deverá se estender até sexta-feira. Com 100% das urnas contabilizadas na primeira apuração, o candidato opositor Luis Lacalle Pou (centro-direita) obteve 48,71% dos votos contra 47,51% para o governista Daniel Martínez, da Frente Ampla (esquerda). Apenas 28.666 votos separavam Lacalle Pou do adversário, que prometeu se engajar em um diálogo com o adversário, independentemente do resultado. “Sempre respeitaremos a voz do povo. O correto é esperar os resultados da Corte Eleitoral. Sejam quais forem, existirá um diálogo com Luis Lacalle. Assim exige nossa rica tradição democrática. Quando se confirmar que ele é o eleito, irei pessoalmente saudá-lo”, escreveu o engenheiro Martínez em sua página no Twitter. Por sua vez, Lacalle Pou defendeu que “o próximo governo não pode ser trocar uma metade pela outra”. “Temos que unir a sociedade, temos que unir os uruguaios”, afirmou.

Segundo a agência de notícias France-Presse, a diferença de menos de 30 mil votos se mostrou inferior à dos chamados “votos observados”, quando eleitores votam em circuitos que não correspondem a eles ou não aparecem no registro eleitoral — neste caso, 35 mil cédulas. Apesar da surpreendente recuperação em relação às pesquisas, que davam vitória folgada para o rival e uma guinada da política uruguaia à direita, Martínez terá de obter 91% dos votos observados para se garantir como próximo presidente.

A tarefa, considerada quase impossível, não preocupa o governista, que comemorou o resultado ao lado de várias lideranças da Frente Ampla e foi criticado por se recusar a admitir a derrota. “Há formas de aceitar os resultados. Formalmente saberemos em poucos dias. Lamentavelmente o candidato do governo não nos ligou nem reconheceu o resultado que, do nosso ponto de vista, é irreversível”, declarou Lacalle Pou. “Além de governar um país, queremos ter uma sociedade de paz e uma sociedade unida”, acrescentou, ao recomendar cautela e paciência aos simpatizantes. Ele demonstrou irritação com uma mensagem que viralizou via WhatsApp. No texto, que utiliza sua assinatura, o autor afirma que ganhou a eleição e acusa Martínez de uma “atitude menor e mesquinha”.”Lamentavelmente, alguém escreveu uma mensagem no WhatsApp e a assina com meu nome. Falei ontem e falarei novamente quando se confirmarem os resultados formais da Corte Eleitoral”, reagiu no Twitter.

Antonio Cardarello, doutor em ciência política e professor da Universidad de la Republica, explicou ao Correio que as pesquisas não puderam registrar ou publicar os movimentos dos últimos dias. “Claramente, uma parte dos eleitores, em particular do Partido Comunista, se inclinaram nos momentos finais e votaram para Martínez”, avaliou. “Os votos observados devem se comportar de maneira estranha para Martínez reverter o resultado. Ele precisará capturar mais de 90% dessa parcela, o que parece improvável”, acrescentou o estudioso.

 

Bolsonaro

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, confirmou presença na eventual posse de Luis Lacalle Pou. “Só (não vou) se estiver morto. Se não estiver morto, irei na posse desse candidato que está na frente. O outro (Daniel Martínez), eu converso com ele. Ele não se manifestou como o da Argentina se manifestou”, afirmou, ao citar o presidente eleito argentino, Alberto Fernández. Em 28 de outubro, um dia depois do segundo turno das eleições no país vizinho, Bolsonaro se negou a felicitá-lo e disse que os argentinos “escolheram mal”. Em agosto, o argentino classificou o brasileiro de “misógino”, “racista” e “violento”. 

 

Eu acho...

“A campanha voto a voto mobilizou a estrutura da Frente Ampla, o que confirma sua força enquanto partido. Podem ter causado impacto as declarações de Manini Rios, do partido Cabildo Abierto; o voto dos uruguaios que vivem no exterior e que não são registrados pelas pesquisas. A explicação é multicausal.”

Antonio Cardarello, doutor em ciência política e professor da Universidadde la Republica.