Correio Braziliense, n.20577, 24/09/2019. Opinião. p.13

Desdobramentos do incentivo à mineração em terras indígenas
Thiago R. Maia 
Izabella Reis 
Maria Ribeiro 


Após o presidente Jair Bolsonaro ter anunciado sua intenção em lançar uma consulta pública sobre a liberação da mineração em terras indígenas, o ministro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, anunciou, em 3 de setembro de 2019, que um plano “estruturado e estruturante” seria brevemente anunciado. O tema é complexo e controverso. Ao passo que algumas entidades não governamentais defendem que a maioria dos brasileiros discorda da almejada liberação, outros, a medida com base nos ganhos econômicos e de desenvolvimento local gerados pelo incentivo à atividade.

As discussões não são uma exclusividade brasileira. Países como Austrália e Canadá também enfrentam acirrados debates nesse sentido. O aumento das decisões judiciais reconhecendo os direitos dos índios sobre as terras e recursos naturais nesses países culminaram no aumento da pressão sobre os mineradores para negociar com a população afetada. Em algumas regiões da Austrália, é conferido aos indígenas o direito de veto à outorga de direitos minerários em suas terras, salvo se considerada pelo governo como de interesse nacional.

Sob a ótica brasileira, a questão indígena começou a ser tratada a partir da Constituição de 1934, que garantiu aos índios a posse das terras em que estivessem permanentemente localizados. A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969 inovaram ao assegurar aos índios o usufruto exclusivo sobre os recursos naturais e de todas as utilidades ali existentes.

A Constituição em vigor manteve o usufruto e inovou ao incluir a possibilidade de pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas desde que: 1) autorizado pelo Congresso Nacional; 2) ouvidas as comunidades afetadas e; 3) assegurada participação dos índios nos resultados da lavra. O art. 176 da Constituição é claro ao estabelecer que as condições para mineração em áreas indígenas serão estabelecidas em lei específica.  Ocorre que, passados mais de 20 anos desde a promulgação da Constituição, a legislação não foi editada e a lacuna legislativa continua a causar divergência no entendimento sobre as atividades que podem conduzidas nessas áreas.

Na expectativa de regulação futura, diversos títulos minerários foram pleiteados em terras indígenas. Diante da falta de regulamentação especifica, cada Superintendência do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral, agora substituído pela Agência Nacional de Mineração (“ANM”), adotava um procedimento específico para lidar com esses títulos. Na prática, a análise desses processos era suspensa à espera da regulamentação.

No fim de 2018, em observância à recomendação do Ministério Público Federal, a ANM alterou seu entendimento e concluiu que todos os requerimentos com sobreposição total com áreas indígenas deveriam ser indeferidos e os títulos minerários outorgados após 5/10/1988 declarados nulos ou caducados, uma vez que a competência pela Constituição, caberia exclusivamente ao Congresso Nacional.

A situação, portanto, se revela ainda mais complicada. O governo se posicionou favorável ao desenvolvimento da atividade nessas áreas, mediante, inclusive, incentivo aos investimentos estrangeiros, ao passo que o novo entendimento da ANM poderá privar mineradores dos títulos já outorgados. Nota-se que não há resposta objetiva e simples para as questões que serão levantadas caso a regulamentação seja mesmo publicada.

Se, por um lado, a mineração é atividade de utilidade pública e de grande importância para o desenvolvimento do país, por outro, os impactos negativos em nível local podem ser contrários à dinâmica das comunidades indígenas, introduzindo elementos estranhos à sua cultura.

Um ponto de dúvida que ainda permanece é o grau de autonomia que se pretende garantir aos povos indígenas com a nova regulamentação. A Convenção nº 169 da OIT, incorporada pelo Brasil, traz a necessidade de consulta aos índios para as questões que influenciem a vida e o uso de suas terras. No entanto, ambos os diplomas não são claros em definir se tal consulta se reverteria em direito de veto por parte dos indígenas.

Diante do cenário ainda incerto, não nos parece que a vontade do constituinte foi de proibir a mineração em terras indígenas em todas e quaisquer circunstâncias, até porque se assim fosse tal vedação estaria expressa na Constituição. (...)

» THIAGO R. MAIA, IZABELLA REIS, MARIA RIBEIRO

Sócio e associadas do Demarest