Título: Rio, cidade dormitório
Autor: Manduca da Falua
Fonte: Jornal do Brasil, 07/04/2005, Outras opiniões, p. A11

O Rio está virando uma cidade dormitório. Esta é a instigante observação do senador pelo Rio, Roberto Saturnino. O senador constatou, no ¿Bom Dia Brasil¿ da última quinta-feira, que o Rio está virando o dormitório do Estado. É verdade. Quase ninguém consegue arrumar emprego na cidade. Os pólos geradores de empregos no Estado estão nas bordas da cidade, em Itaguaí, Caxias, Sepetiba, ou então, serra acima, em Resende, Barra Mansa, Porto Real, mar acima ou mar abaixo, nos pólos petrolíferos de Campos e Macaé ou ao sul do Estado, nos estaleiros de Niterói, Angra e Mangaratiba. Enfim, quem quer trabalhar, tem que escapar da cidade para o interior. O senador esqueceu os cariocas que trabalham até fora do estado, como os que tomam a ponte aérea Rio-São Paulo, que vão à Paulicéia para ganhar um cascalho e voltam correndo para dormir na sua caminha quente. Ou que voam para Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte ou Salvador, arrumar um trocado em outra capital, mas não gostam de dormir fora de casa.

Quase ia me esquecendo do próprio senador, que também trabalha fora do Rio, no Senado, em Brasília. Ele dorme duas noites na Capital Federal e volta correndo para seu querido Principado do Leblon para curtir as outras cinco noites cariocas.

Como cidade dormitório, o Rio deveria se especializar em atividades noturnas. Os desfiles de Carnaval, por exemplo, são noturnos. Deveria ter um, toda semana. Seriam 52 desfiles por ano. Daria emprego para muito mais gente, que dormiria de dia e desfilaria à noite. Isso quase duplicaria a disponibilidade de camas e colchões, criando-se dois turnos de descanso na cidade dormitório. Já que muito carioca ficaria acordado à noite, o governo local poderia desenvolver, por exemplo, parcerias com outras cidades, lá do outro lado do mundo, onde as pessoas estão acordadas de dia, enquanto aqui é noite. Através de Cingapura, por exemplo, os cariocas notívagos poderiam ingressar no dinâmico mercado financeiro daquela cidade-estado via internet. Tendo metade do tamanho do antigo estado da Guanabara, Cingapura é seis vezes mais rica do que nós, em renda anual, e tem reservas em dólar ao nível de 75 bilhões.

Outra cidade-estado que poderia dar emprego ao carioca de noite seria Hong Kong. Tem quase o tamanho do Rio. Lá moram cerca de 7 milhões, com emprego para todo mundo. Daria, seguramente, para fazer parceria com Hong-Kong, montando aqui sucursal dos canais comerciais e financeiros de lá, com cariocas operando nesses mercados ao valor de uma quinta parte dos salários dos habitantes daquela cidade-modelo.

Tudo isso aconteceria aqui no Rio, à noite. Com a grande movimentação de gente empregada, talvez os bandidos que acabaram de chacinar 30 inocentes ao cair da noite se assustassem com o burburinho da cidade, desistindo de atacar no escuro.

Atacariam de dia, mas sem sucesso, já que todos os dorminhocos do Rio estariam ressonando. Inclusive o senador, que não seria bobo de sair para caminhar na praia à plena luz do dia.

*Manduca da Falua é antropófago e morador do Rio