Título: Indústria ''estacionada''
Autor: Sabrina Lorenzi e Samantha Lima
Fonte: Jornal do Brasil, 07/04/2005, Economia, p. A17

Para analistas, juros, quebra da safra e renda baixa explicam queda de 1,2% na produção, o maior recuo desde dezembro de 2003

A indústria pisou no freio e reduziu a produção em 1,2% entre janeiro e fevereiro, apurou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A taxa foi a menor desde dezembro de 2003 e o próprio IBGE admite que a atividade está ''estacionada''. À exceção da produção de bens de consumo duráveis (como carros e eletrodomésticos), que cresceu 11, 8%, todos os demais setores amargaram recuo. O pior desempenho ocorreu no setor de bens não duráveis (alimentos e roupas), com redução de 4,3%, mais sensível à renda. Mas também a fabricação de bens de capital (máquinas e equipamentos) registrou recuo de 3,1%. O segmento de bens intermediários (insumos como aço e atividades como refino de petróleo) caiu 1,2%.

Um dos destaques negativos foi a indústria de equipamentos agrícolas. A queda na safra, provocada por problemas climáticos, fez o segmento despencar 32% em fevereiro na comparação com igual mês de 2004. Somente nos dois primeiros meses do ano, a queda foi de 26,7% em relação ao primeiro bimestre de 2004. Pelos dados da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), o setor viverá um momento ruim nos próximos meses, já que as encomendas para os próximos meses também caíram 10% na mesma base de comparação.

- O setor agrícola vive um momento delicado. Os custos das máquinas estão subindo por causa da alta do aço e os problemas climáticos afetando a safra, com menor necessidade de investimento - disse Isabela Nunes, economista do IBGE.

Além da safra, analistas apontam o efeito da alta de 16% para 19,25% ao ano entre setembro e fevereiro nos juros.

- A queda desse setor é um problema porque significa redução no nível de investimento. No mês passado o indicador já tinha caído 1,5%. Esse segmento é muito sensível à política monetária. O empresário não decide pelo investimento num ambiente de juros elevados - avalia Júlio de Almeida, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Indicador que reflete a evolução da renda das famílias, a produção de bens de consumo semiduráveis e não duráveis interrompeu o ciclo de crescimento que vinha se esboçando. Após três meses de taxas positivas, com alta acumulada de 7,4%, o segmento registrou queda de 4,3% em fevereiro.

- O dado confirma o fato de que a renda e o emprego estão se recuperando de forma muito lenta - destaca o economista David Kupfer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

- Quando a gente pensa que o setor deslanchou, ele volta a recuar. É preocupante porque gera muitos empregos. Seu recuo pode atrapalhar mais a recuperação da renda - comenta Almeida, do Iedi.

Contrariando a tendência de todas as demais categorias, a indústria de bens duráveis exibiu nível recorde de produção, com salto de 11,8% entre janeiro e fevereiro. O aumento acontece logo após uma queda de 5,1% em janeiro. Os grandes destaques foram a indústria de automóveis, com elevação de 24,2% de fevereiro em relação a igual mês do ano passado, e de celulares, que produziu o dobro do verificado em fevereiro de 2004.

- Os juros não vêm afetando o crédito, que, por ser farto, está muito barato. Assim, a política monetária não está funcionando, porque não está contendo o consumo desses bens. Carros e celulares têm um atrativo adicional da tecnologia - avalia Almeida, do Iedi.

Para o IBGE, outro fator explica o sucesso de montadoras e produtores de celular: as exportações.

- Analisando os dados da Secretaria de Comércio Exterior, verificamos elevação de 200% no valor mensal das exportações dos automóveis em um ano - explica André Macedo, do IBGE.

A meta da divisão de celulares da Siemens, por exemplo, é exportar 30% da produção este ano. Ano passado, o mercado interno aquecido só permitiu a venda externa de 10% dos celulares fabricados. Para produzir mais, a empresa investiu US$ 40 milhões para triplicação da capacidade de produção da fábrica em Manaus, que produz celulares e telefones fixos. Além de fortalecer o fornecimento para o mercado interno, o objetivo é fazer da unidade uma plataforma de exportação.

A produção de bens intermediários em fevereiro foi 1,2% menor que a de janeiro, quando já havia recuado 1,4%. Segundo o IBGE, a queda no refino de petróleo de 3,1% foi o principal fator.