O Globo, n. 31557, 31/12/2019, Editoriais, p. 2

Não se deve adiar a privatização da Eletrobras



A cada proposta que implique modernizara máquina pública, coma redução de privilégios de castas que capturaram partes do Estado em proveito próprio, eque necessite da aprovação do Congresso, há previsíveis resistências entre parlamentares. Faz parte da democracia representativa. Resta empreender negociações políticas no Legislativo, para convencer bolsões de resistência de que medidas que na aparência são impopulares resultarão em ganhos para a população como um todo.

O bom exemplo recente é a aprovação da reformada Previdência. Apesar da cerrada campanha contra, normas do sistema previdenciário foram aperfeiçoadas no sentido correto.

O acúmulo de ajustes a serem feitos é grande. Por isso, a pautado Congresso é cada vez mais desafiadora para deputados e senadores. Um dos projetos que se enquadram no quesito de altar elevância é o da privatização do controle da Eletrobras, tema que vem do governo Michel Temer e é tratado coma relevância necessária pela equipe econômica de Jair Bolsonaro. No início de novembro, projeto de lei, com a assinatura do presidente, foi enviado ao Congresso, onde o esperavam resistências anunciadas. Certo tipo de político não gosta de privatização porque costuma usar as estatais para viabilizar projetos pessoais e de poder. Um Estado sem empresas é o que poderia acontecer de melhor para a sociedade. Ao contrário, para esses políticos é o mais assustador dos pesadelos.

Informa o jornal “Valor” que as resistências aumentaram. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), ainda não instalou comissão para dar início à tramitação do projeto. E talvez só instale para debater o assunto. Espera, informa-se, que articuladores do governo aplainem o terreno no Senado, para que a Câmara não aprove uma proposta que poderá ser rejeitada na outra Casa. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), precisa ajudar.

Enquanto isso, o tempo passa, e projetos de investimento no setor elétrico não decolam, porque o maior acionista da Eletrobras, o Estado, sabidamente não tem dinheiro.

As maiores resistências estão em bancadas do Norte e Nordeste, com longa tradição de atuarem no setor elétrico. Precisam ser convencidas do contrário, pois há risco real de faltar energia para o país voltar a crescer de maneira sustentada. A péssima experiência do apagão da década de 90, na gestão FH, deveria convencê-las do perigo à frente.

O Estado não sairá por completo da empresa. Ficará com menos de 50% das ações com direito a voto da companhia, mas sem “golden share” — que dá direito a vetos —, para tornar o negócio mais atrativo ao setor privado. Será aplicada a fórmula da bem sucedida diluição do controle da BR Distribuidora, outrora da Petrobras, cuja posição majoritária foi compartilhada com investidores no mercado.

O país já tem muitos entraves para voltar a crescer. Não pode permitir que a essas dificuldades venha se somar a falta de energia.