Correio Braziliense, n. 20718, 12/02/2020. Cidades, p. 17

Aprovado projeto para aumentar segurança

Jéssica Eufrásio
Walder Galvão


Os quatro casos de assassinatos de motoristas por aplicativo neste ano reacenderam debates sobre a lei que regulamenta o serviço no Distrito Federal. Ontem, em sessão marcada por discussões e pela presença de integrantes da categoria na Câmara Legislativa, os deputados aprovaram, em dois turnos, um projeto de lei que altera pontos da norma que trata do tema. A proposta será encaminhada para apreciação do governador Ibaneis Rocha (MDB).

O PL, de autoria do distrital Daniel Donizet (PSDB), prevê mudanças na operação do serviço e a adoção de procedimentos com foco na segurança dos motoristas, como a necessidade de cadastro de foto para passageiros que pagarem em dinheiro, além da instalação de um botão do pânico em local de conhecimento apenas do condutor.

A matéria chegou a ser debatida há um ano, e o projeto de lei, protocolado em outubro. Ontem, os deputados falaram da importância da proposta diante dos casos recentes de violência e da precarização da profissão. Líder da minoria na Casa, Fábio Felix (PSol) se posicionou favoravelmente à matéria. “Esses profissionais têm enfrentado uma situação gravíssima no DF. E não podemos nos calar dado o tamanho da violência nas cidades enquanto trabalhadores e trabalhadoras pegam o carro, mesmo de forma precária, para ganhar dinheiro”, declarou.

Há uma semana, a 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em decisão inédita, entendeu que os motoristas de transporte por aplicativo não têm vínculo empregatício com as empresas. Na ação, um motorista de Guarulhos (SP), que trabalhou na Uber de julho de 2015 a junho de 2016, pedia registro na carteira de trabalho e pagamento de direitos trabalhistas, como horas extras, adicional noturno e 13° salário.

Com voto contrário nos dois turnos, a deputada Júlia Lucy (Novo) chamou a atenção para a implementação do projeto e dos efeitos das mudanças na prática. Para ela, o assunto não foi tratado de forma amadurecida e esbarra em problemas, como custos e execução. “Estamos diante de um projeto que tem tudo para não ser aplicado. A intenção é dizer que se fez algo ou fazer algo que realmente funcionará? A questão está sendo tratada de forma apaixonada. Quem vai arcar com isso?”, questionou a distrital. Única a se manifestar contra a matéria nos dois turnos, Lucy foi vaiada pelos motoristas na galeria pública do Plenário.

Responsabilidade

Representante do Movimento dos Motoristas do Distrito Federal, Manoel Scooby comentou que o projeto de lei atende a solicitações antigas da categoria. Em relação à criação de um botão para casos de emergência, além da instalação de câmeras e de sistema de monitoramento por GPS nos veículos, Manoel disse que os gastos poderiam ser cobertos por meio de parcerias com anunciantes. “Posso fazer um acordo com uma empresa, para que ela anuncie no veículo, e, com o valor da publicidade, pago os gastos (com a instalação dos dispositivos de segurança)”, sugeriu.

No entanto, para o deputado Daniel Donizet, os dispêndios devem recair sobre as companhias de transporte individual por aplicativo. “É responsabilidade da empresa. Ela é quem tem de implementar. Todos os itens citados no projeto: câmera, botão. Tudo por conta da empresa. Ela (a empresa) terá de fazer a contabilidade dela, ver se continuará tendo lucro ou não. A ideia é que ela continue operando. Mas o objetivo do projeto é dar segurança para o motorista”, ressaltou o distrital.

Inconstitucional

Presidente da Comissão de Direito do Trabalho e Sindical da Ordem dos Advogados seccional do Distrito Federal (OAB-DF), Fernando Abdala considera que as mudanças na lei distrital que dispõe sobre o serviço podem extrapolar limites. “O mais provável é que alguma das empresas recorra ao Judiciário para obter uma declaração de inconstitucionalidade da lei. A Câmara Legislativa tem índices muito altos de leis assim no Tribunal de Justiça”, avaliou. “É competência da União legislar sobre transporte. E há uma lei federal que regula o transporte de passageiros por aplicativo.”

Para a especialista em segurança pública e professora da Universidade Católica de Brasília (UCB) Marcelle Figueira, a análise do cenário dos transportes por aplicativo deve acontecer de modo amplo. “Temos de olhar para outros lugares onde ações específicas funcionaram, para saber se podem ser implementadas aqui. Se todas as medidas forem pensadas no calor da emoção, elas têm chances de serem muito opinativas e pouco eficazes. Entretanto, não podemos esperar resultados de estudos para tomar decisões”, frisou.

A 99 informou que está à disposição para colaborar com a polícia na investigação dos casos e que trabalha para aprimorar a segurança dos motoristas. “A companhia mostra aos motoristas informações sobre o destino final, a nota do passageiro e se ele é frequente”, informou, em nota. A Uber alegou que os quatro condutores assassinados não estavam trabalhando pela empresa e que implementa um projeto-piloto adotado no Chile. “Por meio dele, usuários que não adicionarem meios de pagamento digitais no cadastro ou antes de realizar uma viagem serão solicitados a submeter um documento de identificação. O recurso chega ao Brasil no primeiro semestre de 2020.”

Exigências

» Obrigatoriedade da informação de dados pessoais, com RG, CPF e selfie, para passageiros que optarem pelo pagamento em dinheiro;

» Instalação de câmeras, sistema de monitoramento por GPS e botão de pânico nos veículos;

» Permissão para os motoristas consultarem o destino dos passageiros antes de iniciar a corrida;» Habilitação de meio que permita ao condutor escolher a forma de pagamento que prefere receber;

» Indenização das famílias em caso de morte do profissional durante a corrida;

» Necessidade de senha para o passageiro acessar a plataforma;

» Indicação de parentes e pessoas próximas no cadastro, nos casos de corridas solicitadas para terceiros.