Título: Indústria de calçados com lucro no chão
Autor: Rita Karam
Fonte: Jornal do Brasil, 04/04/2005, Economia & Negócios, p. A17

Fabricantes tentam renegociar contratos com mercados importadores para reduzir prejuízos causados por dólar mais baixo

A indústria calçadista brasileira trava uma guerra para negociar novos preços de exportação que corrijam, ainda que em parte, os custos da defasagem cambial. As fábricas, que acertaram valores baseadas em um dólar na casa de R$ 3 ou acima, absorvem quedas expressivas nas margens ou mesmo amargam prejuízo, em casos extremos. De agosto de 2004, último registro do dólar acima de R$ 3, até agora, o valor da moeda americana ficou 12 % menor em relação ao real. - A rentabilidade está muito baixa - afirma o diretor da Azaléia, Paulo Santana. A empresa de Parobé (RS) exportou 25% da produção de 37 milhões de pares em 2004, e os volumes estão 10% menores neste ano.

Os calçados são exportados com marcas da fábrica brasileira, que mantém um sistema próprio de distribuição no exterior, responsável por 60% dessa venda. A Azaléia desembolsou US$ 5 milhões em divulgação no mercado externo em 2004. Mas, com o dólar nesse patamar, Santana diz que o produto brasileiro perde força no exterior.

A situação é agravada pelo fim das cotas para a entrada dos calçados asiáticos na Europa, em dezembro último. O diretor da Azaléia afirma que a indústria local investe em diferenciais como modelagem, por exemplo, mas é um trabalho de longo prazo.

O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Elcio Jacometti, afirma que os reflexos da dificuldade em manter exportação podem aparecer nos balanços do setor já a partir de abril.

O gerente de exportações da Democrata, de Franca (SP), Marcelo Paludetto, informa que a empresa havia fechado encomendas com um dólar de R$ 3 e decidiu bancar a redução drástica das margens, e até mesmo prejuízos, para manter a confiança conquistada junto aos clientes externos. Paludetto diz que mesmo na venda das novas coleções, que têm produtos diferenciados e representam uma alternativa para melhorar margens, está difícil conseguir negociar preços melhores.

- Em alguns casos, tem sido necessário até voltar aos patamares anteriores - afirma.

Há quatro anos a Democrata decidiu apostar em uma força de venda exclusiva no exterior e em produtos mais sofisticados para garantir melhor rentabilidade.

A Democrata fabrica 8,5 mil pares de calçados de couro por dia e desenvolveu uma linha para exportação. Hoje vende para 54 países e 50% das vendas são de produtos básicos, que sofrem com a maior concorrência chinesa e indiana. Apesar disso, Paludetto diz que a empresa mantém a meta de crescer na exportação e, no primeiro quadrimestre de 2005, vai ampliar em 27% as vendas externas.

Cerca de 90% das exportações levam marca da fábrica. - Vamos fortalecer o trabalho de valorização da marca - afirma o executivo.

A empresa destaca o design e a sofisticação, além da intensa mão-de-obra artesanal que valoriza o produto. Paludetto informa que o mercado interno está 9,94% maior no quadrimestre em comparação com o ano passado, de acordo com as encomendas em carteira, mas não compensa a queda na rentabilidade das exportações.

A fabricante de calçados infantis Klin também optou por reduzir margens e manter exportações.

- Acreditávamos em um dólar a R$ 2,85 ou R$ 2,90 - informa diretor administrativo e comercial da Klin, Carlos Mestriner. - Mas não queremos abrir mão dos volume para não perder pessoal qualificado - afirma. Mestriner diz que o mercado interno está nos níveis normais, mas espera que sustente, ainda que em parte, as margens menores da exportação.

- Em 2003 foi o contrário, com venda doméstica fraca e exportações satisfatórias, agora o mercado interno garante melhor margem - afirma.

O diretor da Klin não acredita que o dólar volte aos R$ 3 este ano e trabalha com R$ 2,85 para o terceiro e quarto trimestres. A empresa tenta melhorar a participação na União Européia e vender em euro. Por isso tem participado de mais feiras na região.

A Klin exportou 27,5% da produção em 2004, crescimento de 10%.

- A Europa representa 15% das vendas externas e, se chegar a 26%, já ajuda muito - diz Mestriner.