Correio Braziliense, n. 20676, 01/01/2020. Política, p. 3

O impasse do juiz de garantias

Luiz Calcagno
Ingrid Soares


 

A sanção do trecho do pacote anticrime que cria o juiz de garantias provocou controvérsia no fim de 2019 e tem tudo para ser um dos assuntos mais debatidos neste início de ano. O dispositivo, previsto para entrar em vigor no próximo dia 23, é defendido pela Ordem dos Advogados do Brasil e pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Para eles, a lei preserva a imparcialidade dos julgamentos. Entre os que a contestam estão entidades de classe e o partido Podemos, que recorreram à Suprema Corte porque veem na medida uma forma de prejudicar investigações, como as levadas a cabo pela Operação Lava-Jato.

Críticos também acusam o presidente Jair Bolsonaro de legislar a favor do filho, o senador Flávio Bolsonaro (sem partido), investigado pela prática de rachadinha quando era deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Em meio à polêmica, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou um grupo de trabalho para definir como a lei será aplicada. O trabalho deve ser encerrado até o dia 15.

Para o senador Major Olímpio (PSL-SP), a sanção do trecho causa desconforto entre os eleitores porque vai contra o que o presidente pregou durante a campanha eleitoral. “O juiz de garantias e o abuso de autoridade, são coisas que ele vem sancionando que colocam em conflito as bandeiras dele e as nossas”, critica. “Imagine o que os eleitores de Bolsonaro, como eu, sentem, ao ver essa medida? Foi apoiada por Gleisi Hoffman, do PT, por Marcelo Freixo, do PSol, por juízes garantistas. Isso desgasta.”

De acordo com o parlamentar, Bolsonaro se irritou ao comentar o assunto — em live na quinta-feira — “porque não tem argumento”. “Dizer que não pode contrariar o Congresso? Foi uma votação apertada na Câmara”, frisou. “Nós combinamos o veto. O general Ramos (Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo) e o Moro (Sérgio Moro, ministro da Justiça) estavam conosco, apoiando a votação com veto. Temos a Justiça mais lenta do mundo e estamos criando uma nova instância? Eu não sou adversário do presidente”, desabafou.

Por sua vez, a deputada Alê Silva (PSL-MG), da ala bolsonarista, demonstrou desconforto ao tocar no tema, mas garantiu que o Congresso forçou o presidente. Para ela, o posicionamento do chefe do Executivo a respeito do assunto foi suficiente para acalmar a base de eleitores. “O juiz de garantias não tem viabilidade técnica ou judiciária para vingar, mas entendo que o presidente não tinha de se desgastar com esse veto. Logo adiante, isso não vai se estabelecer”, destacou. “Foi uma medida prática. Ele já fez declarações para os eleitores. As mensagens foram esclarecedoras, e as pessoas entenderam as razões.”

Explicações

Na live de quinta-feira, Bolsonaro disse que está preocupado com o voto do eleitor, mas que não pode “ser escravo de todo mundo”. “Não tenho que explicar essa situação, o que me surpreende é um batalhão de internautas juristas e constitucionalistas para debater o assunto. Eu aceito críticas fundamentadas, mas tem muita gente falando abobrinha”, reprovou. “É 70% de esquerda e 30% gente nossa, gente que eu tenho certeza de que votou em mim, mas que está sendo levada pelo momento.”

Visivelmente chateado, Bolsonaro reclamou das críticas que vem recebendo de internautas, que o chamaram de traidor. “Se vai te prejudicar, é simples: não vota mais em mim”, disparou. “Bateram demais em mim. Alguns foram para a questão pessoal, familiar. Crítica, a gente aceita sem problema nenhum. Muita gente defende o juiz de garantias. Nenhum juiz consegue, nos grandes processos de corrupção, como os da Lava-Jato, fazer todo o processo sozinho. Na 13ª Vara de Curitiba, por exemplo, não era só o Sérgio Moro, era um batalhão de juízes”, emendou. O presidente também disse que não quer favorecer Flávio Bolsonaro, como o estão acusando. “Não fiz nenhum trato com ninguém sobre vetar o juiz de garantias. Estou fazendo com a consciência tranquila, não é para proteger ninguém. Ficam aí as teorias da conspiração.”

Em um post em rede social, Bolsonaro ainda frisou que não pode “sempre dizer não ao parlamento”. Ele ressaltou que o governo só avançou com a proposta porque recuou em alguns pontos e lembrou que, “na elaboração de leis, quem dá a última palavra sempre é o Congresso, derrubando possíveis vetos”.

Frase

“Houve muito ativismo. É evidente que juiz não quer ter que se reportar a juiz na mesma instância. A reação corporativista é muito mais briga de poder”

Murillo de Aragão, advogado e cientista político