Correio Braziliense, n. 20676, 01/01/2020. Brasil, p. 5

Mais de 6 mil mulheres mortas em três anos

Cristiane Noberto


 

Terminar um relacionamento ou não corresponder ao amor de alguém fez com que milhares de mulheres tivessem suas vidas ceifadas nos últimos anos. Desde 2016, foram mais de 3,2 mil mortes, sendo que outros 3 mil casos não foram notificados. Apenas no Distrito Federal, 2019 fechou com 33 feminicídios. O crime é um assassinato qualificado, incluído no Código Penal em 2015, que trouxe uma maior segurança jurídica para as mulheres e familiares ao tipificar com penas mais severas quem comete feminicídio. Mesmo assim, o número de mortes desse tipo aumenta a cada ano.

“O feminicídio é um tipo de crime doloso, aquele em que há intenção de matar. É o assassinato de uma mulher em razão de gênero, da condição do sexo feminino. O autor do fato, geralmente, é pessoa próxima à vítima, não necessariamente tem uma relação amorosa, mas quer demonstrar uma superioridade em relação à mulher”, explica o advogado criminalista David Metzker, sócio da Metzker Advocacia.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública publicou o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que incluiu, em 2016, levantamento de mortes tipificadas como feminicídio. O estudo mostra que, naquele ano, houve 929 assassinatos. Nos dois anos seguintes, em 2017 e 2018, foram 1.075 e 1.206 casos, respectivamente. Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, até agosto de 2019, 2.357 mulheres foram assassinadas com dolo. Além disso, dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), indicam que, de 2016 até 2018, mais de 3 mil casos de feminicídio não foram notificados.

Metzker explica que o assassino somente responderá pelo crime de feminicídio após o indiciamento ou denúncia por parte do Ministério Público. “Depois que iniciarem as investigações e elas apontem indícios de feminicídio, o delegado conclui se houve essa prática. Mas quem trará a certeza é o Judiciário, ao confirmar através de sentença”, assinala. O crime é punível com 12 a 30 anos de reclusão e a pena pode ser aumentada em até 50%, caso o crime seja praticado quando a mulher estiver grávida ou até três meses após o parto, na presença da família da vítima ou contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência.

Segundo Priscilla Maia Andrade, professora do departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), a questão envolve hierarquia, patriarcado e, principalmente, a desigualdade social. Ela aponta que as fragilidades da sociedade produzem pessoas cada vez mais violentas. “É uma série de fatores que incidem para que uma situação de violência aconteça, inclusive a situação de aprendizagem. Violência também acaba sendo uma maneira de se comunicar, por assim dizer. É a questão de como o patriarcado estrutura sistemas dentro da nossa sociedade, seja num contexto mais amplo, seja no contexto familiar”, analisa.

Instrumentos

Priscila explica que ter leis de proteção são grandes avanços civilizatórios, pois se reconhece o problema. Porém, segundo a professora, a legislação não adianta se não existirem instrumentos que possibilitem a concretização para sua execução. Haja visto que, desde que foi sancionada, o número só cresce. “Precisamos de mais agentes, policiais capacitados, um Judiciário sensibilizado e ações de apoio para as mulheres que sofrem algum tipo de violência”, destaca.

A especialista esclarece que é preciso mobilização nas áreas da saúde, da educação e da assistência social, para permitir a essas mulheres denunciarem seus algozes, com garantia de efetiva proteção. “Muitas vezes, só a simples existência da lei não intimida os agressores e tampouco motiva as vítimas a fazerem denúncias”, enfatiza.

Assim, a autoproteção ainda é a melhor saída. O advogado Metzker reforça que as mulheres devem ter certos cuidados relacionados a abusos. Ele ainda indica a utilização do “botão do pânico”, um aplicativo para smartphones para acionar a polícia quando estiver em situação vulnerável. “Não se deve romantizar abusos sofridos. É preciso noticiar quando ocorrer violências: física, moral e psicológica”, alerta.

* Estagiária sob supervisão de Simone Kafruni