Correio Braziliense, n. 20667, 23/12/2019. Mundo, p. 10

Modi rebate críticas


Diante de protestos que se multiplicam pelo país nos últimos 11 dias, com confrontos violentos que deixaram pelo menos 25 mortos, o primeiro-ministro nacionalista da Índia, Narendra Modi, fez ontem um discurso em defesa da polêmica lei de cidadania, que exclui  praticantes do islamismo. Ao rebater as críticas dos que consideram a legislação discriminatória, Modi tentou tranquilizar os muçulmanos, ao mesmo tempo em que atacou seus adversários políticos, acusando-os de “espalhar mentiras”.

Em discurso a milhares de apoiadores, em Nova Délhi, que tem sido palco de significativas mobilizações, com grande repressão policial, Modi sinalizou que não pretende voltar atrás na lei. Os críticos a consideram discriminatória e contrária à Constituição indiana.

“Respeitem o Parlamento! Respeite a Constituição!”, ressaltou o primeiro-ministro, lançando um desafio aos que “estão espalhando mentiras” para que demonstrem “um cheiro de discriminação em qualquer coisa que eu tenha feito”. A oposição afirma que a nova lei faz parte de uma vontade do poder nacionalista hindu de marginalizar os cerca de 200 milhões de muçulmanos do país.

O premiê assegurou que o objetivo da nova lei é apenas estender a cidadania a minorias religiosas que fogem da perseguição em três países de maioria muçulmana: Afeganistão, Bangladesh e Paquistão. Assinalou ainda que ela não será usada contra cidadãos indianos.

“(A lei) não tem nada a ver com os muçulmanos que são filhos do solo indiano e cujos ancestrais são filhos de nossa pátria-mãe Índia”, garantiu Modi, acrescentando: “A lei não afeta 1,3 bilhão de indianos, e devo garantir aos cidadãos muçulmanos da Índia que não mudará nada para eles”.

Isenção

Os críticos da lei, porém, temem que o governo possa usá-la em conjunto com outras medidas adotadas pelo governo para atingir os praticantes do islamismo. Narendra Modi enfatizou no discurso que seu governo não realiza ações de governo norteados por questões religiosas. “Nunca perguntamos a ninguém se eles vão a um templo ou mesquita quando se trata de implementar esquemas de assistência social”, reforçou.

Se, de um lado, Modi se mostrou conciliador, de outro, foi bastante duro ao falar das manifestações que se espalham pela Índia e que, segundo ele, são alimentadas por seus inimigos políticos com o objetivo de destruir o governo. E classificou o uso de pedras nas manifestações como uma traição à Índia. “Quando vejo tijolos e paus nas mãos dos manifestantes, sinto dor, assim como o resto da Índia.”

Esse é considerado um momento crucial para o governo de Modi, que não havia experimentado, em seus cinco anos de governo, uma mobilização social tão representativa. No início restrita ao norte da Índia, a mobilização foi avançando e chegou a todas as regiões do país. Em muitas cidades, as autoridades proibiram as manifestações. Em algumas localidades, o acesso à internet foi cortado, inclusive na capital, Nova Délhi.

Em um único dia, na sexta-feira, foram registradas no estado de Uttar Pradesh, no norte do país, 15 mortes, incluindo a de um menino de 8 anos. Em meio ao clima cada vez mais elevado de tensão no país, o jornal The Indian Express pediu, em editorial, que o governo de Modi faça todo o possível “para preservar a paz” no país.

“A maior democracia do mundo não pode parecer incapaz de aceitar os jovens que estão em desacordo com o poder (...) a Índia corre um alto risco se começar a ser vista como um lugar onde os dissidentes sentem medo”, afirmou o jornal.

A Anistia Internacional pediu o fim da repressão contra os manifestantes. Ontem, em Bangalore, os protestos contra a lei de cidadania incluíram apelos às forças de segurança para que evitassem ações violentas.