Correio Braziliense, n. 20707, 01/02/2020. Opinião, p. 9

Pisa mostra que brasileiros não leem

Paula Cruz Pereira


 

Foi divulgado o relatório do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) 2018 e os resultados confirmam o que todos temiam: brasileiro não lê. A avaliação, realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com estudantes de 15 anos de 80 países, teve foco em leitura em sua última edição. No Brasil, foram 10.691 jovens amostrados — correspondendo a uma representatividade de 68% da população brasileira elegível para o exame. Destes, o relatório da OCDE mostra que apenas 2% atingiram níveis máximos de proficiência (nível 5 ou 6) em qualquer das áreas avaliadas (leitura, matemática e ciências). E, o que é mais grave, o desempenho médio do brasileiro na prova não apresenta mudança significativa desde 2009.

Em leitura, 50% dos alunos brasileiros superaram o mínimo de proficiência (nível 2): foram capazes de identificar a ideia principal de um texto de tamanho moderado, buscar informações com base em solicitações explícitas e refletir sobre o objetivo e características visuais simples de textos quando explicitamente inquiridos (Inep). Esse é o mínimo definido para que o participante possa “compreender, usar, avaliar, refletir sobre e envolver-se com textos, a fim de alcançar um objetivo, desenvolver seu conhecimento e seu potencial, e participar da sociedade”. Metade dos jovens de 15 anos não atingiram esse mínimo.

É fato que uma série de questões socioeconômicas e culturais permeiam o assunto. O próprio Pisa revela que 50% dos alunos brasileiros relataram ter faltado um dia de aula nas duas semanas anteriores à aplicação da prova. O IBGE mostra que livrarias somem do mapa mais rápido do que videolocadoras. E na Retratos da Leitura no Brasil de 2015, falta de tempo e falta de gosto são autodeclaradas as principais razões para não terem lido mais. Mas a pergunta que fica é: o que se pode, efetivamente, fazer frente a isso? A meu ver, a resposta está nas escolas. E não apenas no que tange à falta de acesso a livros e recursos, influência da internet e meios digitais, baixa qualificação e valorização de professores, ou o cânone literário questionável — mas na própria abordagem metodológica e pedagógica.

As famigeradas aulas de literatura do ensino médio falam dos tipos de cantigas do trovadorismo, do bucolismo em Marília de Dirceu, das três fases do romantismo, dos manifestos modernistas—uma historiografia completa. Mas qualquer um que se dá ao trabalho de ir a uma sala de aula observa que se lê pouco texto de fato. Todorov, em “A literatura em perigo” (2007), preocupa-se com a estranha inversão por meio da qual o estudante europeu é apresentado à literatura não mediante a leitura dos próprios textos literários, mas intermediado por alguma forma de crítica, teoria ou história literária. Herdamos mais ou menos o mesmo problema por aqui.

Em uma pesquisa preliminar, perguntei a 75 jovens com ensino médio concluído nos últimos cinco anos se se lembravam de cinco livros estudados na aula de literatura. 56% responderam que sim — o que já é bastante baixo, considerando que a pesquisa foi conduzida em corredores universitários. Em seguida, perguntei se se lembravam de cinco livros com efeito lidos para a aula de literatura. O número cai para 34,7%.

Nas escolas ensinam-se listas de características das escolas literárias, com itens como “exaltação do nacionalismo”, “valorização das emoções”, “escapismo”, junto aos nomes e resumos de obras importantes. A leitura das obras não faz parte do trabalho desenvolvido em sala, e fica mais como apêndice do que qualquer coisa — apesar de ser ela justamente o objeto da discussão. Essa abordagem já me parece complicada por ir contra a ideia de que os alunos busquem fontes originais e tirem suas próprias conclusões. Mas não é mistério, também, que depois, nas grandes avaliações, eles não tenham bom desempenho em leitura: não é uma habilidade que praticam na escola!

As perguntas que emergem interessam e são muitas: em que momento a literatura se dissociou da leitura? E por que, quando se fala em literatura, pensamos antes em estudos teóricos e historiográficos do que simplesmente em livros? Não tenho as respostas, mas me parece que quisemos dar um passo maior que a perna. Não faz sentido ensinar a análise de um texto antes de lê-lo, e as consequências dessa metodologia aos avessos aparecem nas provas de proficiência de leitura Brasil afora. (...)

Paula Cruz Pereira

Graduanda em letras na Universidade de Brasília (UnB) e bolsista do CNPq