Título: Perigo diluído no açaí e no caldo de cana
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 04/04/2005, Brasília, p. D6

Professor recomenda que seja evitado o consumo dos produtos que não foram pasteurizados, para evitar a Doença de Chagas

Cinqüenta e seis pessoas dos estados do Amapá e de Santa Catarina foram contaminadas pelo protozoário Trypanossoma cruzi, causador da Doença de Chagas, depois de consumirem caldo-de-cana e polpa de açaí. Uma interpretação precipitada leva a acreditar no retorno de uma enfermidade que muitas pessoas davam como extinta no Brasil. O professor Jaime Santana, do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em Doença de Chagas da Universidade de Brasília (UnB), afirma que essas formas de contágio são antigas e que, na verdade, o mal nunca foi eliminado. Santana diz que contágio por alimentos não é novidade Atualmente, seis milhões de brasileiros estão infectados pela doença e estima-se que, a cada ano, 33 mil novos casos surjam. A maior incidência está no norte do país, onde 0,4% da Amazônia Legal (região composta de Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, e parte dos estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão) é dada como contaminada. Na maioria das vezes, o quadro de infecção não leva à morte e cerca de 70% dos portadores do protozoário sequer chegam a desenvolver a doença.

- O indivíduo contaminado pode morrer de infecção ou nunca vir a ser um chagásico. O tempo varia muito de um para outro, mas depois do contágio, normalmente, leva-se 10, 15 ou 20 anos até a manifestação da doença - explica Santana.

Em casos de óbito ainda na fase aguda da infecção, a causa da morte é o excesso de parasitas no sangue. Mesmo quando o mal-estar é passageiro e o quadro revertido, o Trypanossoma cruzi permanece no organismo e não há como eliminá-lo.

- As pessoas passam a conviver com o microorganismo e muitos nunca descobrem que foram infectados - esclarece o professor.

Transmissão - A forma mais comum de contágio é a picada do barbeiro. Depois disso, o inseto vetor defeca próximo ao ferimento e, ao coçar, o homem faz com que o protozoário entre em contato com a corrente sangüínea. Na árvore do açaí, o barbeiro faz o ninho nas folhas da palmeira ou no próprio cacho. Assim, quando é feita a colheita, o inseto é levado junto e triturado com a fruta na produção da polpa.

- Se antes de comprar a pessoa não souber se houve pasteurização (procedimento para esterilização pelo aquecimento e esfriamento rápido do líquido) no processo, é melhor não adquirir o produto. Só o congelamento não mata o protozoário - alerta Santana.

Há dez anos, Dalvina Cuoco, proprietária da lanchonete Sub's, em Brasília, vende açaí. Com dois fornecedores da polpa, Dalvina acredita que não há perigo, já que, nesse tempo, não se soube de nenhum caso de contaminação. - Por dia, vendemos cerca de 50 quilos da polpa de açaí. Como as empresas que trazem a mercadoria são todas registradas, penso que não há risco - declara.

A UnB Agência entrou em contato com duas das empresas que abastecem os estabelecimentos da cidade. Em nenhuma delas, é feita a pasteurização em todos os processos para fabricação do produto. Alberto Toledo, da Bela Ischia, empresa com sede em Astolfo Dutra (MG), conta que a polpa é analisada e, havendo possibilidade de infecção, segue para a pasteurização. José Santos, da fornecedora IT, de Rondônia, diz que antes de triturada, a fruta passa por três lavagens, sendo uma delas com cloro.

Medo da garapa - Já com a cana-de-açúcar, a transmissão ocorre pela manipulação incorreta da planta. Como o inseto costuma se alojar entre as folhas e o caule é preciso raspar toda a superfície da cana e retirar os brotos que saem dela antes de lançá-la no moedor.

Segundo Santana, o risco existe porque ao prensar o inseto, as fezes contaminadas são lançadas na bebida. E, como não há nenhum processo de fervura antes do consumo, o parasita vai direto para o copo.

- É muito difícil que o caldo cause infecção se a cana estiver bem limpa - avalia.

Em um quiosque da UnB, o proprietário Luiz Carlos Guimarães ressalta que, antes dos casos em Santa Catarina, eram vendidos dois sacos de cana por dia.

- Hoje, não sai nem meio saco - atesta.

Ainda assim, na mesa ao lado da máquina de moer, o estudante de engenharia florestal Tiago Abreu, 20 anos, aguardava o caldo pedido.

- Medo eu tenho, até porque há um mês eu tomei lá em Santa Catarina. Mas acho que aqui não tem problema não - afirma antes de perguntar onde poderia fazer o exame para detectar a Doença de Chagas.

Na rodoviária de Brasília, no balcão da lanchonete Viçosa, Oilton Lopes, de 59 anos, tomava tranqüilamente um copo de bebida. Baiano e criado em fazenda, Lopes disse que, mesmo sabendo dos casos no sul do País, não teve medo na hora de fazer o pedido.

UnB Agência