Correio Braziliense, n. 20708, 02/02/2020. Economia, p. 8

Governo deixou de gastar mais de R$ 17 bi

Marina Barbosa


 

O governo federal cortou gastos e contingenciou o orçamento para as despesas caberem nas receitas públicas em 2019, mas acabou o ano sem gastar todos os recursos disponíveis depois de todo o aperto fiscal. Segundo o Tesouro Nacional, R$ 17,4 bilhões ficaram empoçados, conforme termo técnico utilizado, nos diversos órgãos do governo central no ano passado. Significa que o dinheiro foi disponibilizado, mas não executado, ou seja, o governo não conseguiu gastar. A maior parte desse dinheiro ficou parada no Ministério da Educação (MEC), que atualmente vive uma de suas maiores crises.

O resultado final das contas do governo, recentemente divulgado pelo Tesouro Nacional, revela que a quantidade de recursos que acabou parado nos cofres públicos mais do que dobrou no primeiro ano do governo Bolsonaro. O total do empoçamento era de R$ 7,7 bilhões, em dezembro de 2018. Porém,  subiu para R$ 15 bilhões em junho de 2019, atingiu o pico de R$ 37,3 bilhões em novembro e acabou 2019 em R$ 17,4 bilhões no fim do ano. Esse dinheiro, distribuído em diversos órgãos do governo federal, corresponde a 5,4% do total que o governo tinha disponível para gastar em dezembro do ano passado.

Apesar de ter sido obrigado a reduzir diversas despesas por conta dos contingenciamentos, a pasta comandada por Abraham Weintraub deixou de gastar R$ 4,5 bilhões do orçamento disponível no ano passado, ou seja, 13% de todo o limite de pagamento que o ministério podia executar em 2019.

A quantia empoçada no MEC também é mais do que o triplo do valor que sobrou em outras áreas. O segundo maior empoçamento, de R$ 1,4 bilhão, foi o do Ministério da Justiça e Segurança Pública, de Sergio Moro, que deixou de gastar 27% dos R$ 51 bilhões disponíveis em 2019.

Outros empoçamentos são os dos Ministérios da Defesa, Saúde e Economia, que deixaram parados cerca de R$ 1 bilhão cada um. Já o restante dos R$ 17,4 bilhões ficou parado em emendas parlamentares (R$ 3 bilhões) e nos demais órgãos do governo (R$ 5 bilhões).

Recorrência

Secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida admitiu, ao apresentar o resultado fiscal do ano passado, que o empoçamento terminou 2019 “em um montante muito maior” que o dos anos anteriores. Mas tentou minimizar a situação. Ele alegou que esse tem sido um fenômeno recorrente nos últimos três anos, que acabou sendo agravado porque boa parte dos recursos contingenciados pelo governo federal só foram liberados no fim do ano, quando, segundo Mansueto, os órgãos públicos não tinham mais condições de executar todo o dinheiro, que, por isso, voltou para os caixas. “Tivemos muita mudança de orçamento nos últimos três meses do ano”, disse.

“O governo fez um descontingenciamento em outubro, mas só tem até 31 de dezembro para realizar os gastos. Se não, o dinheiro volta para a conta do Tesouro. Vejamos a situação das universidades, por exemplo, que reduziram bolsas de estudo e deixaram de pagar passagem para congressos por conta dos contingenciamentos, mas só receberam o dinheiro de volta em outubro, quando não tinham mais tempo para investir nisso”, explicou o professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luís Oreiro, para quem os R$ 17,4 bilhões não devem voltar ao fluxo financeiro do governo em 2020. “Empoçamento é uma métrica financeira. Isso significa que não há transposição de limites financeiros de um ano para o outro”, confirmou, por nota, o Ministério da Economia.

Tratam-se de recursos que, segundo especialistas em contas públicas, só serviram, portanto, para melhorar o desempenho fiscal do governo central no ano passado. Segundo o Tesouro Nacional, o deficit primário caiu de R$ 120,2 bilhões em 2018 para R$ 95,1 bilhões em 2019, influenciado por questões como essa e também pela arrecadação de receitas extraordinárias como a da cessão onerosa, relativa ao leilão do pré-sal.

“É uma manobra para que não seja efetuado o gasto, uma contabilidade criativa que, no fim, fabrica um número”, criticou Oreiro. “O governo fez um descontingenciamento em um momento em que não dava mais tempo de usar todo esse recurso. Liberou um dinheiro que sabia que não poderia ser usado. Uma irresponsabilidade”, acrescentou o professor do departamento de Matemática da UnB, Clayton Gontijo.

Crise na Educação poderia ser menor

Especialistas em contas públicas avaliam que, caso o governo tivesse tido melhor planejamento e gestão do Orçamento, seria possível melhorar o percentual dos gastos, sobretudo no Ministério da Educação, alvo de protestos ao longo do ano, justamente devido ao contingenciamento que levou à redução de bolsas de estudo universitárias e que hoje tenta corrigir os erros do Enem.

“Há um problema de gestão grave no ministério. O ministro não tem experiência na área de gestão em educação ou gestão pública e tem uma equipe despreparada. O fato de o dinheiro ter ficado parado também está relacionado com isso”, disse o professor de matemática da UnB,Clayton Gontijo, para quem o problema parece “não ter incomodado o ministro Abraham Weintraub”.

Professor de economia da UnB, José Luís Oureiro acrescentou que a Educação foi uma das áreas mais atingidas pelos contingenciamentos em 2019. A pasta teve cerca de R$ 6 bilhões bloqueados e precisou congelar aproximadamente 30% do orçamento das universidades federais. “O ministro da Educação não pediu mais recursos. E já indicou que está aí para reduzir alguns programas da educação. Então, pode ter sido uma opção”, acredita Oureiro. “No meu departamento, por exemplo, houve falta de recursos ao longo de todo o ano. Bolsas de estudo, compra de equipamentos e livros, participações em congressos, tudo foi prejudicado”, lamenta.

Fluxo financeiro 

Sub-relator de orçamento na comissão externa que acompanha o trabalho do MEC na Câmara, o deputado Eduardo Bismarck (PDT/CE) garante que a queixa dos professores tem fundamento. Ele explica que examinou o fluxo financeiro do Ministério da Educação em 2019 e constatou que muitas das verbas que não foram contingenciadas também não foram gastas pela equipe de Weintraub. “Muita coisa ficou retida. A execução orçamentária foi extremamente baixa, pior do que a dos anos anteriores”, disse Bismarck, que detalhou essa situação em um relatório que a comissão externa entregou ao MEC.

Segundo o relatório, o Ministério da Educação executou apenas 4,4% do montante autorizado para os investimentos em educação até julho de 2019, em contraste aos 11,7% registrados no mesmo período de 2018. Isto significa que, no primeiro semestre do ano passado, antes dos descontingenciamentos, o MEC investiu apenas R$ 184 milhões dos R$ 4,1 bilhões disponíveis.

Ainda de acordo com o documento, a baixa execução orçamentária afetou diversos programas educacionais. Limitou-se a 1% do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), a 1,72% no apoio ao desenvolvimento da Educação Básica e a 3,7% no apoio à expansão da rede federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica até julho. A execução do orçamento também foi baixa nos programas de implantação de creches (13%); produção, aquisição e distribuição de livros e materiais didáticos para a educação básica (13,5%); e apoio ao funcionamento das Instituições Federais de Educação Superior (14%) no mesmo período. Os dados relativos ao restante do ano ainda não foram divulgados.

“A baixa execução orçamentária generalizada das políticas educacionais se evidencia  mesmo se comparada aos anos anteriores, e mesmo considerando o contingenciamento imposto, o que indica baixa capacidade executiva da atual gestão”, concluiu o relatório da Câmara.

“O MEC teve oportunidade de gastar, mas não gastou. Faltou gestão e eficiência”, frisou Bismarck, para quem não faltou onde investir o dinheiro. Segundo ele, investir em educação nunca é demais e poderia até ter evitado os problemas que levaram o ministério à crise atual, quando Weintraub tem sido criticado por conta dos erros do Enem, mas também por declarações polêmicas, pelos cortes dos gastos universitários e pelo do fim do contrato da TV Escola, que deixou insatisfeitos até eleitores de Jair Bolsonaro, pela defesa de seus cargos.

Procurado, o Ministério da Educação limitou-se a divulgar uma nota, enviada à reportagem. “Do montante publicado no boletim resultado do Tesouro Nacional, o valor de R$ 1 bilhão se refere aos recursos do acordo da Petrobras, disponibilizados no encerramento do exercício (27/12/2019)”, informa a nota. “O MEC esclarece que as despesas da pasta estão em regular execução e não há atrasos no pagamento no exercício de 2019”, acrescenta.

Frase

“No meu departamento, por exemplo, houve falta de recursos ao longo de todo o ano. Bolsas de estudo, compra de equipamentos e livros, participações em congressos, tudo foi prejudicado”

José Luís Oreiro, professor de economia da UnB

4,4%

Foi executado pelo MEC até julho de 2019 do total autorizado para investimentos